segunda-feira, 24 de junho de 2013


Os 3 filhos diante do Museu de Bagdá.
À MARGEM DO RIO EUFRATES - CRÔNICAS
-04-

RUMO AO DESCONHECIDO

No momento estamos num ônibus atravessando a capital do país em direção a ponte que cruza o Rio Tigre, para dali rumar ao deserto. Termina aqui o dolce-far-niente que durou uma semana. Foi muito bom o longo descanso após o vôo de 27 horas. Interessante foi também passear a pé e de ônibus de dois andares (reminiscência inglesa) pelas ruas de Bagdá, observando mesquitas e monumentos; Importantíssimo visitar o Museu de Bagdá,  perambular por becos com seus inúmeros souqs de tapetes, samovares, narguilês e tantas outras curiosidades, entre gritos de oferta dos mercadores; o colorido das tendas; o cheiro de ervas e sementes exóticas, revisitando  um tempo, remoto, de minha infância: Shaharazade, As 1001 noites  ou  O ladrão de Bagdá.

Do grupo que seguiu  (mestres-de-obras, oficiais carpinteiros, encarregados, técnicos de mecânica e uns poucos de área administrativa)  o único que tinha noções da língua inglesa era este pobre narrador. Portanto, nesses dias que permanecemos em Bagdá tornei-me, de modo circunstancial, o pseudo-intérprete da turma. Pequenas necessidades como pedir batata frita, uma cerveja, procurar um toalete, essas coisas, deu tudo certo e salvaram-se todos. O Iraque fora colonizado pela Inglaterra, daí a maioria da população ter conhecimento do idioma bretão. Contudo, tal privilégio ficara restrito às principais cidades; no interior do país o conhecimento da língua não atingiu, como sempre, os mais humildes.

Sentado na poltrona mais próxima ao motorista, tentei por várias vezes iniciar alguma conversação, tipo quantos quilômetros faltam? como é o seu nome?, nada. Só através de mímica. O piloto, do alto de sua sabedoria milenar, vestido de dasdacha e de hatta brancos, era só sorrisos –menos mal. Entretanto, no receptivo sorriso exibia raríssimos dentes, o que era motivo de risos e molecagens  no interior do ônibus.

Encarando o asfalto precário, o valente ônibus avançava deserto adentro, enquanto nós, audaciosos  pioneiros, cochilávamos embalados pelo sacolejar do veículo e um modorrento calor. Durante o trajeto paramos duas ou três vezes para esvaziar bexigas e forrar o estômago com tâmaras, amoras e melancias docíssimas além, claro, de muita água.

 Entardecia e o por de sol incendiava o céu.

Era quase meia-noite quando chegamos ao destino, com o grupo reclamando da fome. Tivemos sorte em localizar  um funcionário, nosso conhecido de outra obra da Mendes, no Brasil,   responsável pelo pequeno acampamento.   Aberta a cantina,  foi  servido um improvisado lanche. A nosso convite, o banguela e sorridente motorista lanchou e despediu-se com muitos chukrans e outros tantos salamaleques (mesuras trazidas  ao Brasil pelos primeiros imigrantes árabes, os"turcos").  Posteriormente iria descobrir que naquela época, por não termos relações diplomáticas com certos países árabes, os imigrantes  tinham que passar pela Turquia,  recebendo o carimbo turco em seus passaportes. Por isso popularizados  como turcos.

Hora de dormir. Antes, porém, fiz estas anotações. Eu me encontrava extremamente cansado, mas feliz; afinal, o desconhecido sempre me fascinara.



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Souk:  Mercado de tapetes, objetos de metais, roupas, etc.
Dasdacha: Túnica comprida
Hatta: Turbante
Chukran: “Obrigado !”
Salamaleque: Corruptela de “Salam Aleikum” (Deus -ou a paz- esteja convosco !)



                                                                              Continua...

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