Os 3 filhos diante do Museu de Bagdá.
À MARGEM DO RIO EUFRATES - CRÔNICAS
-04-
RUMO AO DESCONHECIDO
No momento estamos num ônibus atravessando a
capital do país em direção a ponte que cruza o Rio Tigre, para dali rumar ao
deserto. Termina aqui o dolce-far-niente
que durou uma semana. Foi muito bom o longo descanso após o vôo de 27 horas. Interessante
foi também passear a pé e de ônibus de dois andares (reminiscência inglesa) pelas
ruas de Bagdá, observando mesquitas e monumentos; Importantíssimo visitar o
Museu de Bagdá, perambular por becos com
seus inúmeros souqs de tapetes,
samovares, narguilês e tantas outras curiosidades, entre gritos de oferta dos
mercadores; o colorido das tendas; o cheiro de ervas e sementes exóticas, revisitando um tempo, remoto, de minha infância: Shaharazade, As 1001 noites ou O ladrão
de Bagdá.
Do grupo que seguiu (mestres-de-obras, oficiais carpinteiros, encarregados,
técnicos de mecânica e uns poucos de área administrativa) o único que tinha noções da língua inglesa era
este pobre narrador. Portanto, nesses dias que permanecemos em Bagdá tornei-me,
de modo circunstancial, o pseudo-intérprete da turma. Pequenas necessidades
como pedir batata frita, uma cerveja, procurar um toalete, essas coisas, deu
tudo certo e salvaram-se todos. O Iraque fora colonizado pela Inglaterra, daí a
maioria da população ter conhecimento do idioma bretão. Contudo, tal privilégio
ficara restrito às principais cidades; no interior do país o conhecimento da
língua não atingiu, como sempre, os mais humildes.
Sentado na poltrona mais próxima
ao motorista, tentei por várias vezes iniciar alguma conversação, tipo
quantos quilômetros faltam? como é o seu nome?, nada. Só através de
mímica. O piloto, do alto de sua sabedoria milenar, vestido de dasdacha e de hatta brancos, era só sorrisos –menos mal. Entretanto, no receptivo
sorriso exibia raríssimos dentes, o que era motivo de risos e molecagens no interior do ônibus.
Encarando o asfalto precário, o
valente ônibus avançava deserto adentro, enquanto nós, audaciosos pioneiros, cochilávamos embalados pelo sacolejar
do veículo e um modorrento calor. Durante o trajeto paramos duas ou três vezes
para esvaziar bexigas e forrar o estômago com tâmaras, amoras e melancias
docíssimas além, claro, de muita água.
Entardecia e o por de sol incendiava o céu.
Era quase meia-noite quando
chegamos ao destino, com o grupo reclamando da fome. Tivemos sorte em localizar
um funcionário, nosso conhecido de outra
obra da Mendes, no Brasil, responsável pelo pequeno acampamento. Aberta a cantina, foi servido um improvisado lanche. A nosso convite,
o banguela e sorridente motorista lanchou e despediu-se com muitos chukrans e outros tantos salamaleques (mesuras trazidas ao Brasil pelos primeiros imigrantes árabes,
os"turcos"). Posteriormente iria descobrir que naquela
época, por não termos relações diplomáticas com certos países árabes, os
imigrantes tinham que passar pela
Turquia, recebendo o carimbo turco em
seus passaportes. Por isso popularizados
como turcos.
Hora de dormir. Antes, porém, fiz estas anotações. Eu me encontrava extremamente cansado, mas
feliz; afinal, o desconhecido sempre me fascinara.
------
Souk: Mercado de tapetes, objetos de metais, roupas,
etc.
Dasdacha: Túnica
comprida
Hatta: Turbante
Chukran: “Obrigado
!”
Salamaleque: Corruptela
de “Salam Aleikum” (Deus -ou a paz- esteja
convosco !)
Nenhum comentário:
Postar um comentário