DO MORRO
DA GUIA...
29 –
PASSO DE LOS LIBRES/URUGUAIANA
No céu, a lua gigante e prateada, digna da Praia do Forte,
atravessava as grades do vagão produzindo um efeito fantasmagórico nos nossos
rostos. Fumamos (ainda se fumava naquela época) e conversamos um pouco antes de
pregar os olhos. O Carlos e eu despertamos várias vezes para checar a hora. O
Lauro que conseguiria dormir dentro de um bidê, roncava. Antes de amanhecer
estávamos despertos e com as mochilas preparadas; pouco tempo depois avistamos
luzes ao longe. Com as tralhas a postos, abrimos os portões do vagão e nos
postamos no engate –entre um e outro vagão-. As luzes se aproximavam enquanto
aguardávamos uma chance de pular. O trem corria demais e nós adiando o momento
do salto... É agora... não... agora... não. Mas o santo protetor dos
mochileiros fez com que o trem, por causa de uma longa curva, reduzisse a
velocidade. Saiu em coro: é JÁ!!
Atiramos as mochilas e em seguida a nós próprios, caindo a 50 m, afastados,
uns dos outros. Perfeito como numa cena de faroeste ...e ninguém se feriu.
O dia clareava enquanto caminhávamos rente aos trilhos procurando a estrada que nos levaria à fronteira com o
Brasil.
Passando em frente a uma fazendola, pedimos a um senhorzinho
se podíamos tomar leite. Podíamos. Alguns canecos de leite depois, voltamos ao
asfalto. Mais meia hora de caminhada, avistamos dois tratores aproximando-se
lentamente. De perto, notamos serem ceifadoras de trigo exibindo um bainer
“Vamos a Brasil”. O Lauro desfraldou a
bandeira brasileira, aos pulos, no meio do asfalto. Escalamos os seis metros de
altura da máquina e viajamos monótonos 100 quilômetros à velocidade de média de
30 km/hora. Pintou vinho, queijo e
salaminho ofertados pelos operadores.
Alcançamos a fronteira e ali nos despedimos do excelente vinho
argentino.
Passo de Los Libres, limite com Uruguaiana. Isto significava
a um passo do feijão, talvez o que mais nos fez falta... Depois de resolver a
burocracia da Aduana argentina, entramos, exatamente às 14:30 horas, em nosso país. O problema da vez era ir de Uruguaiana à
Porto Alegre, distância aproximada de 650 km. Dia de Finados e sábado. As
empresas de transporte de carga fechadas e nas estradas o trânsito era nenhum.
Só ônibus. Quando o funcionário da Aduana brasileira mandou que abríssemos as
mochilas nos olhamos com grande desânimo. Abrir, esvaziar, rearrumar não é nada
agradável. Havíamos feito isso há 15 minutos do outro lado.
Além disso, tínhamos uma certa pressa em sair dali pois
queríamos passar o domingo na capital gaúcha. O funcionário, tolerante,
concordou conosco: “Esta certo, rapazes. Afinal vocês estão em casa...” Então,
tivemos a petulância de oferecer, à venda, baratinho!, ao funcionário federal a
derradeira blusa de caxemira. Seria demais. Decidimos torrar o resto da grana e
ir de ônibus; fomos para a rodoviária. Enquanto resolvíamos as questões das
passagens, o Lauro incumbiu-se de vender a blusa; conseguiu apenas vender o
isqueiro...
Continua...
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