segunda-feira, 3 de junho de 2013

CONTO
UMA AVENTURA EM MACEIÓ
Aniversário da namorada. Festinha despretensiosa, poucos convidados, não mais de quinze. Exceto uma velha amiga ele conhecia a todos. Essa amiga, Teca (Tereza), natural de Palmeira dos Índios o remetia a um contemporâneo do exército, também natural daquela cidade. Colega de alojamento, cama vizinha, trabalhava na cantina e um dia oferecera uma lata de ameixas em troca de uma cerveja. Aceitou e em seguida se arrependeu: aquilo cheirava a furto na cozinha. Nunca mais esqueceria do  fato.
A conversa entre as amigas esticava-se animada: antigos colegas, namorados, faculdade, por aí afora. Assim que surgiu uma chance, foram apresentados. A Silvia trouxe a amiga pela mão. “Este é  meu namorado... o Ryd”. Beijinhos e cumprimentos de praxe.
- Ryd é apelido...?
- Não. Ryd Naruj; homenagem a um poeta indiano. “E por que Palmeira dos Índios?”.
- Ora, “minha terra tem palmeiras...” e índios.
- Mas apenas uma palmeira...! e quantos índios ?
- Sabe que nunca havia pensado nisso ? Vou pesquisar. Tem um cigarro aí...?
- Deixei de fumar há mais de dez anos. Cigarro mata.
Enquanto a Silvia dava atenção à festa trocando CDs, providenciando gelo, essas coisas... o Ryd papeava com a Teca que  era danada de bonita. Toda clara; pele, cabelos e olhos  claros.
- Você bem poderia chamar-se Clara...
- É claro... retrucou sorrindo e apertando os olhinhos. “Eu e a  Silvia somos velhas amigas, acho que desde a creche.  Depois nos perdemos por aí, e há cerca de três anos não nos víamos”.
- Maceió não é tão grande assim, disse ele. Para uma boa amizade é muito tempo, não acha?
- Creio que foram os casamentos, a gente acabou se afastando.
- Você é casada? Tão nova...
- Vinte e três anos...
- De casamento?  (rsrsrs)
- ôxe...!   (rsrsrrs)
- Filhos?
- Felizmente,  não.
                                                                                                                                    

Alguns convidados se aproximaram, e ele chamou a namorada para dançar.
Mais tarde, na brincadeira que surgiu na sala, os casais trocando de parceiros... E quando deu por si dançava sozinho. Silvia e Teca papeando na cozinha. Cabeça meio zonza, teve certeza que o vinho não era dos melhores mas como havia iniciado com ele evitou misturar. O som rolando solto.
Passava das duas da manhã, os amigos se retiravam pois dia seguinte, ou melhor, pela manhã –segunda feira-,  iriam trabalhar. Agora, rendera-se e tomava um uísque  enquanto dançava solitariamente uma balada country. Silvia, no elevador, despedia-se de retardatários.
- Estou indo, queridos.. .Disse Teca.
Indagada se estava de carro, negou: “Nâo, ficou com o maridaão”.
- Preto –era o Ryd- “Dá uma carona para a Teca; de ônibus o filtro não chegará inteiro...
A Silvia havia dado para a  amiga um velho filtro de cerâmica que por sua vez seria doado à uma instituição beneficente. Frustrado, já que havia planejado passar a noite com ela, beijou-a e saiu atracado, literalmente, com o filtro.  Comemorariam o aniversário, em particular,  dia seguinte.
Saíram. Ao entrar no elevador é que se deu conta que o filtro era mais pesado do que parecia. Sua cabeça também. “Vinho e uísque, mistura demoníaca...”, lembrou-se do velho amigo Barão.
Dirigia devagar pela orla. Na carroceria da picape, o vaso tentava se equilibrar. Na cabine, o tema: relacionamentos, encontros, desencontros, encantos, desencantos. Teca enaltecia a Silvia: excelente mulher, bonita, alegre, resolvida. Resolvida? Muito ciumenta, corrigiu ela. Mas uma tremenda guerreira que numa precoce viuvez, filhos, faculdade completada com certo atraso tinha, no entanto, merecidamente, a sorte de encontrar um homem bacana como ele.
- Sim, você... um cara interessante, certo charme...
- ...’pera lá. Já me viu de pé? Reparou na calva? Na barriguinha...? Ah, já sei... misturou vinho com uísque...
O rumo da prosa o incomodava. Lembrou-se de imediato do Raimundo. Há um ano, quando chegara a Maceió o seu amigo, alagoano, entre copos de cerveja e garfadas de buchada de bode dissera-lhe:
- Ryd, você está gostando daqui? Pretende ficar?
E diante de uma afirmativa: “Ótimo.  Preste muita atenção.  Não estamos no Rioestamos em Alagoas. Aqui não existem ladrões, exceto os graúdos. Vão presos? Não sei, só sei que desaparecem. Aqui não se briga no tapa. É buraco de faca ou tiro. Significa dizer que pode se divertir, dançar forró, namorar à vontade mas ouça bem: nunca com mulher casada. Aqui, marido corno não perdoa, mata. Ou manda matar”.
                                                                                                                                    

- ‘Tá pensando em quê ? Ela interrompe os conselhos do Raimundo.
- No filtro... será que esta inteiro?
- Está gostando dela, não esta...?
- Da Silvia? Me amarro naquela morena.
- Mas você teria coragem de dar uma saidinha com outra ? Só uma saída, sem compromisso?
“Isso é armação” Sua cabeça rodava um pouco mas ainda podia raciocinar. “Essa miserável esta mancomunada com a Silvia. Aquele papo  comprido na cozinha...”
- Não... Estou feliz com ela e não pretendo comprometer a relação.
A Teca continuava insistindo naquela conversa de cerca lourenço. De repente:
- Dá uma paradinha por aqui. A minha casa fica logo ali na esquina.
- Eu vou carregar ao filtro até lá?
- Não desconverse... Olhe, não estou nada a fim de ir dormir... Vamos tomar uma saideira. Só uma.
- Ô Teca... Não é correto ficar desfilando por aí com você, mulher casada, certo?
- Certo. Então vamos para um lugar sossegado... Quem sabe... um motel. Só pra conversar!
Aí o Ryd ficou preocupado. “Essa mulher é louca... Será que esta chapada...?”
- Escute... é tarde e eu preciso levantar cedo. Às seis tenho que estar de pé. Tem navio no porto.  E outra: No motel... só pra conversar...???
Sentia-se desconfortável. Um verdadeiro martírio. Nunca havia recebido uma cantada assim, explícita. Nervoso, não tirava os olhos da calçada e dos retrovisores. Também, pudera: a picape parada a dez metros da casa da maluca. E mais: o pensamento nos conselhos do Raimundo enquanto ela desfiava seu rosário de desventuras: casamento fracassado, o marido não a procurava... Talvez até tivesse amante.
- Pode uma mulher como eu ser rejeitada? Seja sincero.
- Não! Claro que não. Não, é claro!
- Com o corpo todo durinho... Olhe só...
Disse isso enquanto pegava a sua mão e a colocava no seu busto. Ele pirou “Isso não pode estar acontecendo comigo... merda, todo mundo já disse isso”.
Ele colocou a ponta do dedo  em seu peito esquerdo. “È mesmo... Que coisa, né?”
                                                                                                                                                  

-“ Você esta brincando!”  Falou ela abrindo a blusa devagar, os seios saltando, melhor, saltitando à sua frente.

- Ainda não deu sua opinião sobre meus seios... Cobrou.
- São maravilhosos, mas...
- E gostosos! Teca fechou os olhos, puxando sua cabeça em direção ao peito.
- “...tô morto”, pensou,  enquanto  manobrava o carro e partia à caça de um motel.
                                                                         
Ela foi ao toalete. Ryd sentado no canto da cama, de cueca, uma tremenda dor de cabeça, misto de tesão e cagaço. Mais cagaço.
- O que foi? Esfriou? Perguntou ela ao sair do banho.
- Você havia dito que a Silvia merecia ser feliz... Isso estaria incluído?
- A minha amiga me perdoe mas eu também mereço um pouco de alegria...  Terminou a frase já enganchando sobre ele.
E ele?  Ele, nada. Brochada federal. Veio a tentativa de conforto: “Isso acontece... não esquenta...”  Ele levantou, foi ao banheiro e tomou uma ducha fria. Não resolveu o problema de todo. Só meia bomba, de uns 45 graus, suficiente para um desempenho, como direi,  sofrível.
Despidos e recostados à cabeceira da cama, amargaram uma silenciosa frustração. Alguns minutos de aparente quietude e, de repente, no escuro do quarto notou quando ela pegou a bolsa e retirou algo que brilhava. Ao virar-se para o seu lado pode confirmar: uma pequena pistola, cromada. “Merda, isso não pode estar acontecendo...”  (É a segunda vez que falo isso... um clichê).
Naquele momento, lembrou da Silvia, da mãe, dos filhos, do cachorro e, principalmente, do Raimundo. “Porra, Raimundo, você errou... Não é o marido quem mata, é a própria ...”.
Os pensamentos foram interrompidos pelo desabafo:
- Hoje, acabo com tudo...
A pistola apontada para o umbigo dele. Sem tirar os olhos de seu dedo indicador, tentava manter-se tranquilo, falando calmamente.
- Cuidado, Teca... Isso pode matar alguém...
- Não creio. Pode agredir alguns órgãos mas não mata...
Dito isto, apertou o gatilho e ele deu um salto. Na verdade, não foi bem um salto, foi um solavanco. Só que não ouviu o estampido. Ao invés do projétil saiu uma pequena chama, para onde ela aproximou o cigarro.  E continuou com a lamúria:
- Hoje tomo coragem e acabo com esse casamento fajuto.
- Graças a ...
- O quê ?
- Graças a Deus você tem cigarros...]
- Você disse que não fuma...
- Não sei porque,  mas agora me deu uma baita vontade de fumar...

O filtro?  Que pena!  No quebra molas na saída do Motel, trincou de cima a baixo.

                                           --- --- --- ---
 JPC



Um comentário:

  1. Oi,
    Esse conto eu não conhecia. Gostei muito É pura ficção ou aconteceu...? Beijo, Adélia.

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