quarta-feira, 12 de junho de 2013


CONTO

Um caso de amor

Chuva estiada, o sol mais que depressa em sua postura de rei, fura o bloqueio de nuvens retardatárias e assume gramados e telhados.
- Essa não !  dia que era pra gente curtir a cama, roncar até tarde e este sol, domingo cedinho, bem no meu olho... que horas são, Izabel?  Por que você não fechou as cortinas ontem, amor?
- Você não lembra...?  Foi você quem abriu para apreciar a tempestade, acompanhar os riscos dos relâmpagos... esqueceu de tudo? Pudera, quase um litro de uísque... ficou só um dedo. Sem contar as cervejas.
- É... acho que passei um pouco de minha cota. Nós discutimos, outra vez, não foi? Lembro que estávamos com os ânimos exaltados. Eu a feri, por acaso? Venha cá, deite-se aqui e vamos conversar um pouco.
Izabel se encontrava ainda um pouco desgastada depois daquela comprida e amarga discussão na madrugada. Embate que não levara a lugar nenhum, ou melhor, levara sim, a sombrios esconderijos de suas almas.  O motivo de sempre. Ela queria um filho. Um berço no quarto. Brinquedos perdidos pela casa.
- Mas você sabe. Você sabia desde sempre, merda...que nós não poderíamos ter filhos. Eu não posso lhe dar um filho! Que posso fazer, merda?
- Eu sei muito bem, não precisa lembrar mas nós podemos adotar... seria uma alternativa... falava Izabel quando foi interrompida com um sonoro NÃO!
- Não dá! Não dá! De jeito nenhum. Esquece, viu, não vê que é uma loucura... como iríamos criar essa criança? Não temos a menor estrutura para isso. Não vê os grilos que iriam surgir, meu bem?  É porralouquice sua.

Já agora, no café, amainadas tempestades  e emoções, mãos dadas, recomeçam o assunto, com calma desta vez.
- Olha, argumenta a Izabel, se nós o educarmos com carinho, honestidade, apontando-lhe desde cedo todas as verdades -boas e más- e o grande significado do amor que é nossa fundamental base de vida... Veja bem, é essa a estrutura que ele irá necessitar. Pense bem, amor, por favor.
Um longo silêncio, um carinho em seus cabelos, uma tragada...
- É... é verdade. Talvez seja covardia de minha parte não querer enfrentar essa responsabilidade. Talvez nem devêssemos morar na mesma casa, ou ... não merecêssemos. Talvez fosse mais fácil suportar uma separação do que este dilema.  Quem sabe a gente...
- Pare com isso... assusta-se Izabel.  ...Repare como esta linda a colcha assim salpicada de sol...
- Não mude de assunto.  Sei que não quero mas sinto-me deprimida por não poder fazê-la feliz, completa.   Tenho medo de encarar e ao mesmo tempo, tenho consciência de estar bloqueando o seu instinto maternal. Pior: saber que é irreparável.

E Magali, engasgando a voz, desarmada, deixa escapar das profundezas do seu ser, um resquício de fragilidade.

E por instante feminina, chora.

JPC-1984

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