quarta-feira, 19 de junho de 2013


CRÔNICA


OS ÚLTIMOS SUSPIROS DA BONECA COBIÇADA

“Boneca Cobiçada”, bolero   caipira       gravado pela dupla Milionário e Zé Rico em 1957, fez enorme sucesso nos anos radiantes de minha juventude. Devo salientar que  não fui um simples adolescente; tive o privilégio de  adolescer  nos Anos Dourados: 1951/60.  Só para causar inveja aos que chegaram depois  (afinal, eu já estava na janela...): numa festa de 15 anos de uma colega-1958-  dançamos “Chega de saudade”; e enquanto James Dean despontava  nas telas do cinema local, Rocky Lane já havia passado -no galope- em seu cavalo Black Jack.

Voltemos a fita alguns anos quando  estudava à noite, tentando completar o 1º grau pela segunda vez,  perseguido de modo implacável pelos teoremas e álgebras. Era uma sexta-feira e  provocado por um veterano a matar a aula,  não titubeei -alguém ainda conjuga titubear?-, e riscamos fora.  Abro um parêntese para dizer que mesmo quando estudava  ao dia, sempre havia um inteligente para atiçar o gazeteio  e  fugir até a fábrica de goiabada A gente se fartava de goiabada ainda quentinha, direto do  tacho industrial  enquanto, abestalhado, admirava as meninas embalando com extrema agilidade os tabletes  do doce.
Fecha   parêntese: volto àquela sexta-feira de lua cheia onde iria realizar duas proezas, inéditas para um menino de 14 anos: conhecer o bordel da cidade e pegar carona no  trem de carga, em desabalada carreira.  E lá fomos nós, em vagões vazios, tipo personagens de Jack Kerouac.

E o que “Boneca  Cobiçada” tem a ver com  isso? Quase tudo. Marcou-me pra valer pois nessa noite fui apresentado  às “primas” como um jovem mancebo, a experimentar a vida, virgem ainda.  Das várias opções mostradas escolhi a Turca, morena, alta, cabelos até a cintura. Linda e famosa no pedaço. É essa  falei , convicto,  do alto de meus quatorze anos, e adentramos a alcova. Correu tudo bem, a despeito de que diante de meus  esforços para coibir um fiasco precoce,  a Turca, debaixo de meus suores, cantarolava “Boneca Cobiçada”, acompanhando as vozes de  Milionário e Zé Rico que ecoavam do salão. (Menos mal que  um outro amigo cuja  mulher lia uma Contigo.)

Vida que segue. Nas festas no final do ano, no ginásio,  coube-nos -a mim  e  a  um  colega de apelido Marta Rocha por suas belas pernas- apresentarmos um número musical. Depois de muita discussão, adivinhem a música selecionada: Ela, “Boneca Cobiçada”, ainda sucesso nas paradas e sugerida pelo professor de matemática. Como desagradar a um professor de matemática? Apesar dos tropeços e desencontros  a dupla conseguiu sobreviver,  não sem abandonar o palco debaixo de  alguns arremedos de vaia.

Anos mais tarde, final da década de 1960, cotovelos calejados,  certa  tarde  de um sábado chuvoso, depois de rondar meia dúzia  de bares, nos ocorreu –um grupo de quatro cervejeiros- visitar as primas (Há quanto tempo, né...). De violão e bongô a tiracolo, rumamos ao antigo lupanar.  Mais para cantar uns boleros, dançar e nos divertir com as meninas sem obrigações libidinosas; a boemia pela boemia, quando elas se tornavam menos profissionais e nós menos cafajestes.

O meu compadre Guigui homenageava Altemar Dutra acompanhado ao violão pelo Porquera, (esses dois já se mudaram lá pra cima...);  Negão (Lauro Faria)   mentalizava seu poema “O Palhaço” que iria recitar. Quem tinha os braços livres envolvia a cintura de suas acompanhantes.  Foi quando a lourinha que me ladeava, inconformada por eu ter as mãos ocupadas com o bongô, cobrou-me com certo queixume:
              
             - Me abraça, bem...
             - E o meu compromisso com o ritmo...?



Daí que, notando o constrangimento, o violão do Porquera interrompeu o impasse e  tascou o  bolero:
               “ Quando eu te conheci
             do amor desiludida
             fiz tudo e consegui
             dar vida à tua vida... “

Anoitecia quando  nos recolhemos, cada qual   pro seu cubículo, para ouvir os suspiros   das bonecas cobiçadas.

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JPC   

          

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