CRÔNICA
OS ÚLTIMOS SUSPIROS DA BONECA
COBIÇADA
“Boneca Cobiçada”, bolero caipira
gravado pela dupla Milionário e Zé Rico em 1957, fez enorme
sucesso nos anos radiantes de minha juventude. Devo salientar que não fui um simples adolescente; tive o
privilégio de adolescer nos Anos Dourados: 1951/60. Só para causar inveja aos que chegaram depois
(afinal, eu já estava na janela...): numa
festa de 15 anos de uma colega-1958-
dançamos “Chega de saudade”; e enquanto James Dean despontava nas telas do cinema local, Rocky Lane já havia passado -no galope- em seu cavalo
Black Jack.
Voltemos a fita alguns anos
quando estudava à noite, tentando completar
o 1º grau pela segunda vez, perseguido de
modo implacável pelos teoremas e álgebras. Era uma sexta-feira e provocado por um veterano a matar a aula, não titubeei -alguém ainda conjuga titubear?-,
e riscamos fora. Abro um parêntese para
dizer que mesmo quando estudava ao dia,
sempre havia um inteligente para atiçar o gazeteio e fugir até a fábrica de goiabada A gente se fartava de goiabada ainda quentinha,
direto do tacho industrial enquanto, abestalhado, admirava as meninas
embalando com extrema agilidade os tabletes do doce.
Fecha
parêntese: volto àquela sexta-feira de lua cheia onde iria realizar duas
proezas, inéditas para um menino de 14 anos: conhecer o bordel da cidade e pegar carona no trem de carga, em desabalada carreira. E lá fomos nós, em vagões vazios, tipo
personagens de Jack Kerouac.
E o que “Boneca Cobiçada” tem a ver com isso? Quase tudo. Marcou-me pra valer pois nessa noite fui
apresentado às “primas” como um jovem
mancebo, a experimentar a vida, virgem ainda.
Das várias opções mostradas escolhi a Turca, morena, alta, cabelos até a
cintura. Linda e famosa no pedaço. É essa falei , convicto, do alto de meus quatorze anos, e adentramos a
alcova. Correu tudo bem, a despeito de que diante de meus esforços para coibir um fiasco precoce, a Turca, debaixo de meus suores, cantarolava
“Boneca Cobiçada”, acompanhando as vozes de Milionário e Zé Rico que ecoavam do salão. (Menos mal que um outro amigo cuja mulher lia uma Contigo.)
Vida que segue. Nas festas no
final do ano, no ginásio, coube-nos -a mim
e
a um colega de apelido Marta Rocha por suas belas
pernas- apresentarmos um número musical. Depois de muita discussão, adivinhem a
música selecionada: Ela, “Boneca Cobiçada”, ainda sucesso nas paradas e
sugerida pelo professor de matemática. Como desagradar a um professor de
matemática? Apesar dos tropeços e desencontros
a dupla conseguiu sobreviver, não
sem abandonar o palco debaixo de alguns
arremedos de vaia.
Anos mais tarde, final da década
de 1960, cotovelos calejados, certa tarde de um sábado chuvoso, depois
de rondar meia dúzia de bares, nos
ocorreu –um grupo de quatro cervejeiros- visitar as primas (Há quanto tempo, né...). De violão e bongô a tiracolo,
rumamos ao antigo lupanar. Mais para
cantar uns boleros, dançar e nos divertir com as meninas sem obrigações
libidinosas; a boemia pela boemia, quando elas
se tornavam menos profissionais e nós menos cafajestes.
O meu compadre Guigui
homenageava Altemar Dutra acompanhado ao violão pelo Porquera, (esses dois já se
mudaram lá pra cima...); Negão (Lauro Faria) mentalizava
seu poema “O Palhaço” que iria recitar. Quem tinha os braços livres envolvia a
cintura de suas acompanhantes. Foi
quando a lourinha que me ladeava, inconformada por eu ter as mãos ocupadas com
o bongô, cobrou-me com certo queixume:
- Me abraça, bem...
- E o meu compromisso com o ritmo...?
Daí que, notando o
constrangimento, o violão do Porquera interrompeu o impasse e tascou o bolero:
“
Quando eu te conheci
do amor desiludida
fiz tudo e consegui
dar vida à tua vida... “
Anoitecia quando nos recolhemos, cada qual pro seu cubículo, para
ouvir os suspiros das bonecas
cobiçadas.
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JPC
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