quinta-feira, 6 de junho de 2013


CONTO

A FALTA DE SORTE  DE VERÔNICA LAKE

Ele havia feito 48 anos, representante comercial bem sucedido, solteiro. Morando na Tijuca  seus divertimentos eram,  vez ou outra, ir ao Maraca ver um bom jogo , ler sobre a 2ª guerra mundial ou ver velhos filmes em casa. Preferia antigos  faroestes. Bar só nos fins de semana com seus  raros  e  velhos amigos.

Eis que, sem nenhuma pretensão, apenas para quebrar a rotina, resolveu ir a Cabo Frio naquele sábado. No ônibus da excursão conheceu a Silvia. Curtiram a praia  e papo vai, papo vem  trocaram, pela ordem, beijos, telefones e endereços;  e na semana seguinte suas escovas de dente se misturaram. Seis meses depois estavam usando alianças.

Os amigos, liderados pelo Durval, o mais chegado, vibraram pois ele era o último dos solteirões e  logo agendaram um jantar com  a turma e, claro,  esposas e a noiva do Renato presentes. A Silvia era muito magra, pele clara, cabelos castanhos  curtinhos , a la garçon e lábios finos, delicados. Devia ter trinta e poucos anos.  Mas, o forte eram seus olhos, aquele olhar sonolento, sabe?  Enfim, cativou o grupo com sua simplicidade e seu delicado jeitinho de falar.

Auxiliar de escritório,   trabalhava em uma escolinha no mesmo bairro onde  morava: Santa Rosa, em Niterói, e sonhava um dia poder ter a sua própria creche, cheia de crianças.

O Renato  era  incentivado pelo Durval a ver outros filmes e pegou emprestado DVDs do tipo noir. Começou com alguns de Alan Ladd e Verônica Lake. Não deu outra: ficou vidrado  na loura, com aqueles cabelos longos caindo-lhe sobre os olhos. Passou a pesquisar na Internet tudo sobre a Verônica Lake. E descobriu que ela havia nascido em 1919, morrido em 1972, que havia formado  par romântico, em   cinco filmes,  com Alan Ladd., e que era quase tão baixinha quanto  o galã. A verdade é que às sextas-feiras, entre um e outro copo de cerveja, seu assunto preferido passou a ser cinema, especialmente  filmes noir.                           

- Eu conheço a Verônica Lake, disse uma noite, o Durval.  
“Calma, é outra. Trabalha numa Termas no centro da cidade. É igual, amigos,.. Clone, pode crer”.
- Quero conhecê-la...  Empolgou-se o Renato.
Depois que se  despediu, o amigo explicou aos demais,  o plano que tinha em mente.
-  A despedida de solteiro não é na próxima semana...? Então...!  Vou preparar uma festinha  no  meu apartamento, e ela vai ser a convidada de honra, exclusiva de nosso amigo... Vai adentrar a sala, embrulhada em papel celofane vermelho, peladinha, carregada por quatro rapazes fantasiados de mafiosos,  armas falsas,  e tudo o  mais. Um show!

“Verônica Lake”  foi contatada, combinado o preço, informado o endereço, dia, hora e demais detalhes. O Durval iria buscá-la. Tudo certo para a festa: cerveja, uísque, gelo, discos  com músicas de época, tudo planejado.

Que tragédia! Na noite da festa  quando Renato iria ter a grande surpresa de sua vida, coitado, ocorreu o acidente. Pegou um taxi e no trajeto para o apartamento do amigo, o carro derrapou no asfalto molhado e capotou,  matando motorista e passageiro, o aniversariante.

Silvia ficou frustrada, aborrecida mesmo, quando recebeu a ligação cancelando o programa. Já estava com a peruca loura  de Verônica Lake, de batom encarnado como aparecera em “A Dália Azul” ,  no capricho,  “...e de repente cancelam a brincadeira...  Aquela  grana seria importante, logo agora que eu estava propensa a  casar e mudar de vida”, lamentava-se.

Ato contínuo, assume a voz   delicada e pega o telefone para  ligar pro  Renato, “...tão ingênuo”,  renunciando ao casamento.

JPC/2010






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