CONTO
A FALTA DE SORTE DE VERÔNICA LAKE
Ele havia feito 48 anos, representante comercial bem
sucedido, solteiro. Morando na Tijuca seus
divertimentos eram, vez ou outra, ir ao
Maraca ver um bom jogo , ler sobre a 2ª guerra mundial ou ver velhos filmes em
casa. Preferia antigos faroestes. Bar só
nos fins de semana com seus raros e
velhos amigos.
Eis que, sem nenhuma pretensão, apenas para quebrar a rotina,
resolveu ir a Cabo Frio naquele sábado. No ônibus da excursão conheceu a Silvia.
Curtiram a praia e papo vai, papo vem trocaram, pela ordem, beijos, telefones e endereços;
e na semana seguinte suas escovas de
dente se misturaram. Seis meses depois estavam usando alianças.
Os amigos, liderados pelo Durval, o mais chegado, vibraram
pois ele era o último dos solteirões e logo
agendaram um jantar com a turma e,
claro, esposas e a noiva do Renato
presentes. A Silvia era muito magra, pele clara, cabelos castanhos curtinhos , a la garçon e lábios finos, delicados. Devia ter trinta e poucos
anos. Mas, o forte eram seus olhos,
aquele olhar sonolento, sabe? Enfim, cativou
o grupo com sua simplicidade e seu delicado jeitinho de falar.
Auxiliar de escritório,
trabalhava em uma escolinha no mesmo bairro onde morava: Santa Rosa, em Niterói, e sonhava um
dia poder ter a sua própria creche, cheia de crianças.
O Renato era incentivado pelo Durval a ver outros filmes e pegou
emprestado DVDs do tipo noir. Começou
com alguns de Alan Ladd e Verônica Lake. Não deu outra: ficou vidrado na loura, com aqueles cabelos longos
caindo-lhe sobre os olhos. Passou a pesquisar na Internet tudo sobre a Verônica
Lake. E descobriu que ela havia nascido em 1919, morrido em 1972, que havia formado
par romântico, em cinco filmes, com Alan Ladd., e que era quase tão baixinha
quanto o galã. A verdade é que às
sextas-feiras, entre um e outro copo de cerveja, seu assunto preferido passou a
ser cinema, especialmente filmes noir.
- Eu conheço a Verônica Lake, disse uma noite, o Durval.
“Calma, é outra. Trabalha numa Termas no
centro da cidade. É igual, amigos,.. Clone, pode crer”.
- Quero conhecê-la... Empolgou-se
o Renato.
Depois que se despediu,
o amigo explicou aos demais, o plano que
tinha em mente.
- A despedida de
solteiro não é na próxima semana...? Então...!
Vou preparar uma festinha no meu apartamento, e ela vai ser a convidada de
honra, exclusiva de nosso amigo... Vai adentrar a sala, embrulhada em papel
celofane vermelho, peladinha, carregada por quatro rapazes fantasiados de
mafiosos, armas falsas, e tudo o
mais. Um show!
“Verônica Lake” foi contatada, combinado o preço, informado o endereço, dia, hora e demais detalhes. O Durval iria buscá-la. Tudo certo para a festa: cerveja, uísque, gelo, discos com músicas de época, tudo planejado.
Que tragédia! Na noite da festa quando Renato iria ter a grande surpresa de sua vida, coitado, ocorreu o acidente. Pegou um taxi e no trajeto para o apartamento do amigo, o carro derrapou no asfalto molhado e capotou, matando motorista e passageiro, o aniversariante.
Silvia ficou frustrada, aborrecida mesmo, quando recebeu a ligação cancelando o programa. Já estava com a peruca loura de Verônica Lake, de batom encarnado como aparecera em “A Dália Azul” , no capricho, “...e de repente cancelam a brincadeira... Aquela grana seria importante, logo agora que eu estava propensa a casar e mudar de vida”, lamentava-se.
Ato contínuo, assume a voz delicada e pega o telefone para ligar pro Renato, “...tão ingênuo”, renunciando ao casamento.
JPC/2010
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