domingo, 2 de junho de 2013


CONTO

PRESENTE DE NATAL, ou
( Vaca, palpite para o Natal)

Vitrines cheias de tentações fazem  o que podem para atrair passantes nesse fim de ano repetitivo no comportamento geral. Gente e mais gente nas ruas, calçadas, galerias, portas de lojas, butiques, não importando a  inflação, pois é Natal que chega e enquanto os homens não retirarem as marquises... pivetes e mendigos continuam, fraternalmente ou não, dormindo nas calçadas.
Toda a gente olha-olha, escolhe-escolhe, na intenção de adquirir algo para alguém forrar a mesa, maquiar o rosto, enfeitar a parede, sua ou da amiga ou da mãe;  para os pés do pai, a cabeça do avô, o  esporte do filho, o balé da neta, o quarto da amante. É tempo de presentes: dar e receber.
Telmo, pastel na mão, olhava também as vitrines, os mostruários, os camelôs, o povo, devagar, na calçada atrapalhando os que vão ao trabalho; falar em trabalho Telmo desvia o olhar para dentro de si lembrando só poder mesmo espiar ofertas e fazer os sempre-planos. Mas quem poderia imaginar ...logo eu, bom datilógrafo,assíduo, entraria no corte de pessoal, seis meses procurando emprego no limiar de sonho e desespero?
O pensamento era veloz.
Faremos uma ceia, tão bom peru com pêssego, farofa com passas , presunto, aquele do apito que avisa quando esta assado, castanhas e nozes e tenho que parar de sonhar: frango com batatas, rabanadas com açúcar é mais barato. Não, um vestido novo para Maria Rita, uma blusa dessas coloridas escrita em  inglês, sandália, quem sabe?
Frente aos chamarizes analisa preços e compara necessidades e dúvidas. Comprar bosta nenhuma, guardar o pouco que resta até quando só Deus sabe, idiota, que Natal esmerdalhado, este!
Em casa, Maria Rita ex-industriária, ex-bonita, atual lavadeira boa de tanque, na máquina de costura com prestação atrasada -minha Nossa o SPC- reaproveitando roupas surradas, extraindo do almoço invenções pra janta. Sem filhos e com muitas lamentações por não ter dado um menino que nem o pai, bom de cama e de bola, ou de menina de tranças, já não havia preferência depois de tantas esperas inférteis, afinal a sensata compensação mostrava que na fase negra atual era melhor assim...
Telmo cuspiu o caroço de azeitona, atravessou a rua, fez uma fé na loteria, jogou vinte e cinco  pratas na vaca -palpite no 25 de dezembro- "perder a esperança nunca, sou brasileiro" -e era bobinho- e quem sabe será o meu presente?  Ainda com o papel  do bicho na mão, em sua frente uma mocinha precocemente velhinha, criança nos braços pede-lhe dinheiro, não tenho trocado, pô!  Encostada à porta da loja, olhar distante/descrente, de súbito cambaleia dobra os joelhos em queda iminente. Arisco, ele procura ampará-la e ao mesmo tempo segura a criança que não chega a cair ao solo. Num pedaço de cobertor, olhos fechados, sono sereno, nem se dá conta ser alvo de atenções, enquanto a jovem  rapidamente levanta-se e corre para o lado oposto da rua, calçada a fora, a esquina, o mundo.
Perplexo, entre assustado e indeciso, Telmo olha o rosto recém nascido, sorri timidamente perguntando-se menino ou menina, em casa descubro, agora é comprar presentes, decide-se: pacote de fraldas e dois sapatinhos de lã.  Um azul outro rosa.

JPC

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