segunda-feira, 17 de junho de 2013


CONTO

 A PAIXÃO SECRETA DE JOHN WAYNE

Quando a minha filha que mora nos Estados Unidos convidou-me -ou convocou-me- para lhe dar uma força durante um tempo, uns trinta dias, tomando conta de sua casa, topei no mesmo instante. Só não tinha grana para a viagem, argumentei. “Tudo por minha conta”, incentivou-me.

Ela morava em Pasadena, California, na zona rural, onde criavam cavalos de raça. Era um rancho não muito grande,  bem tratado e organizado, como era a sua vida desde que casara com um americano, Ronald  Moore,  há oito anos.
A minha missão seria apenas cuidar para que a rotina não se rompesse, enquanto eles  viajavam  lá pros lados do Sul, quem sabe até o Novo México.

No  Aeroporto, onde me aguardavam, fiquei sabendo dos detalhes, da presença do capataz,  uma pessoa capacitada e preparada para tocar o rancho, ou seja, eu não iria me cansar de trabalhar. Apenas me mostrar presente, representando os donos.
A casa do rancho era exatamente aquilo que víamos nos filmes de faroeste: chão de cerâmica, fogão de lenha, móveis rústicos e uma bela varanda com vista para uma extensa planície. E tinha até uma rede nordestina, do Ceará.  Aqui e ali encontravam-se pitadas brasileiras: um pilão, uma carranca e mais uma dezena de  detalhes. Uma casa com estilo acolhedor.

- Não se espante se o John Wayne aparecer por aqui, disse a 
Marlene.
- John Wayne...? !
- É, ele não morreu... Tá muito velho, mal tratado; vive por aí, pelas redondezas a olhar os sítios e ranchos, anda devagar e sempre silencioso. É inofensivo, só tem tamanho...
 Não é possível, pensei cá comigo.

Alguns  dias após a partida do casal o capataz, Jerry D. , chamou-me e  apontou-me o John Wayne. Ele estava parado há mais ou menos uns 20 m, com um velho chapéu de caubói que alguém lhe enfiara na cabeça, aquela pose meio desajeitada, perna levemente dobrada à frente do corpo. Ao caminhar  parecia meio que adernado para a direita. Nunca se aproximava, apesar de meus insistentes chamados.  

Certa tarde, a procura  de algo para espairecer, encontrei uns discos LPs dos velhos tempos, Sinatra, Mercedes Soza, vários, inclusive  a  minha preferida, Joan Baez. Preparei um uísque duplo, botei a Baez para cantar e deitei-me na rede. O sol avermelhava uma banda do horizonte.

Para surpresa minha, o  Mr. Wayne, como o Jerry D o chamava, foi-se  aproximando um pouco mais serelepe desta vez, e pasmem, estancou rente à coluna da varanda, ao meu lado. Nesse momento reparei que o seu surrado chapéu estava amarrado com um barbante. Estendi   o copo de uísque e ele permaneceu imóvel. Levantei-me e trouxe alguns biscoitos.   Aceitou, comendo de modo calmo e olhando-me com olhos sonolentos. Acho que simpatizou comigo. Trouxe água, bebeu.
Minutos depois,  entrando na sala para trocar o disco, escolhi Piaff e voltei para a varanda. Cadê o Mr. Wayne?  Afastara-se para longe, lá para os lados dos currais.

Dia seguinte, à tardinha novamente, decidi repetir a cena. Quando o vi parado à distância, coloquei uma música qualquer e esperei. Nada.  Foi então que resolvi fazer a experiência: Botar a Joan Baez  no toca-discos. Na mosca. O Mr. Wayne aproximou-se e veio parar no mesmo local,  próximo à rede.  Confirmei assim que ele era gamado na Joan Baez.

Dali em diante,  tornamo-nos  praticamente íntimos. Só não conversávamos. Quando conseguia entender alguma coisa que eu falava, assentia, ou não, com a cabeça. Um dia, tomei a liberdade de limpar o seu chapéu cheio de poeira. Aceitou passivamente.
Cada dia que passava eu o conquistava um pouco mais. Sempre apoiado pela Joan Baez.  Até dei-lhe um banho de mangueira e troquei o barbante do chapéu por uma tira de couro, mais condizente com a sua figura.

A minha filha retornou de viagem e ficou estarrecida quando lhe contei sobre os avanços que obtivera com o  John Wayne. E, principalmente, a descoberta de sua  adoração pela Joan Baez.

Dia de minha partida ele aproximou-se, Joan Baez ao fundo, é claro, sacudiu o grande pescoço, relinchou algumas vezes e raspou o chão com a pata direita. Era o seu modo de despedir-se. Fiz-lhe um afago na testa e, se não estou exagerando, seus olhos lacrimejavam um pouco.

Quando me afastei para entrar no carro rumo ao Aeroporto, Mr. Wayne não me seguiu. Preferiu ficar ouvindo a  sua amada que cantava “Gracias a la vida”.



Jurandyr Costa

27/03/2010

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