CONTO
A PAIXÃO SECRETA DE JOHN WAYNE
Quando a minha filha que mora nos Estados Unidos convidou-me -ou
convocou-me- para lhe dar uma força durante um tempo, uns trinta dias, tomando
conta de sua casa, topei no mesmo instante. Só não tinha grana para a viagem,
argumentei. “Tudo por minha conta”, incentivou-me.
Ela morava em Pasadena, California, na zona rural, onde
criavam cavalos de raça. Era um rancho não muito grande, bem tratado e organizado, como era a sua vida
desde que casara com um americano, Ronald Moore,
há oito anos.
A minha missão seria apenas cuidar para que a rotina não se
rompesse, enquanto eles viajavam lá pros lados do Sul, quem sabe até o Novo
México.
No Aeroporto, onde me
aguardavam, fiquei sabendo dos detalhes, da presença do capataz, uma pessoa capacitada e preparada para tocar
o rancho, ou seja, eu não iria me cansar de trabalhar. Apenas me mostrar
presente, representando os donos.
A casa do rancho era exatamente aquilo que víamos nos filmes
de faroeste: chão de cerâmica, fogão de lenha, móveis rústicos e uma bela
varanda com vista para uma extensa planície. E tinha até uma rede nordestina,
do Ceará. Aqui e ali encontravam-se
pitadas brasileiras: um pilão, uma carranca e mais uma dezena de detalhes. Uma casa com estilo acolhedor.
- Não se espante se o John Wayne aparecer por aqui, disse a
Marlene.
- John Wayne...? !
- É, ele não morreu... Tá muito velho, mal tratado; vive por
aí, pelas redondezas a olhar os sítios e ranchos, anda devagar e sempre
silencioso. É inofensivo, só tem tamanho...
Não é possível, pensei cá comigo.
Alguns dias após a
partida do casal o capataz, Jerry D. , chamou-me e apontou-me o John Wayne. Ele estava parado há
mais ou menos uns 20 m, com um velho chapéu de caubói que alguém lhe enfiara na
cabeça, aquela pose meio desajeitada, perna levemente dobrada à frente do
corpo. Ao caminhar parecia meio que
adernado para a direita. Nunca se aproximava, apesar de meus insistentes chamados.
Certa tarde, a procura
de algo para espairecer, encontrei uns discos LPs dos velhos tempos,
Sinatra, Mercedes Soza, vários, inclusive a minha
preferida, Joan Baez. Preparei um uísque duplo, botei a Baez para cantar e
deitei-me na rede. O sol avermelhava uma banda do horizonte.
Para surpresa minha, o
Mr. Wayne, como o Jerry D o chamava, foi-se aproximando um pouco mais serelepe desta vez,
e pasmem, estancou rente à coluna da varanda, ao meu lado. Nesse momento
reparei que o seu surrado chapéu estava amarrado com um barbante. Estendi o copo de uísque e ele permaneceu imóvel.
Levantei-me e trouxe alguns biscoitos.
Aceitou, comendo de modo calmo e olhando-me com olhos sonolentos. Acho
que simpatizou comigo. Trouxe água, bebeu.
Minutos depois,
entrando na sala para trocar o disco, escolhi Piaff e voltei para a
varanda. Cadê o Mr. Wayne? Afastara-se
para longe, lá para os lados dos currais.
Dia seguinte, à tardinha novamente, decidi repetir a cena.
Quando o vi parado à distância, coloquei uma música qualquer e esperei.
Nada. Foi então que resolvi fazer a
experiência: Botar a Joan Baez no
toca-discos. Na mosca. O Mr. Wayne aproximou-se e veio parar no mesmo local, próximo à rede. Confirmei assim que ele era gamado na Joan
Baez.
Dali em diante,
tornamo-nos praticamente íntimos.
Só não conversávamos. Quando conseguia entender alguma coisa que eu falava,
assentia, ou não, com a cabeça. Um dia, tomei a liberdade de limpar o seu
chapéu cheio de poeira. Aceitou passivamente.
Cada dia que passava eu o conquistava um pouco mais. Sempre
apoiado pela Joan Baez. Até dei-lhe um
banho de mangueira e troquei o barbante do chapéu por uma tira de couro, mais
condizente com a sua figura.
A minha filha retornou de viagem e ficou estarrecida quando
lhe contei sobre os avanços que obtivera com o John Wayne. E, principalmente, a descoberta de
sua adoração pela Joan Baez.
Dia de minha partida
ele aproximou-se, Joan Baez ao fundo, é claro, sacudiu o grande pescoço,
relinchou algumas vezes e raspou o chão com a pata direita. Era o seu modo de
despedir-se. Fiz-lhe um afago na testa e, se não estou exagerando, seus olhos
lacrimejavam um pouco.
Quando me afastei para entrar no carro rumo ao Aeroporto, Mr.
Wayne não me seguiu. Preferiu ficar ouvindo a sua amada que cantava
“Gracias a la vida”.
Jurandyr Costa
27/03/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário