domingo, 30 de junho de 2013


À MARGEM DO RIO EUFRATES - CRÔNICAS

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EM BAGDAD, À  PROCURA DE VACINA



Logo depois que tivemos que devolver o nosso cão –ainda filhote- ao deserto, por determinação administrativa, sentimos na própria pele o problema que  a presença de cães no Acampamento por certo provocaria.

Certa tarde, a minha filha Tarcila, com 6 anos, brincando com a irmã, Samira,  voltavam do colégio para casa, ali perto, quando avistaram três cachorros (dois machos e uma fêmea) deitados à sombra de um Porta-kamp (container).  Mesmo atentando para o perigo e mantendo certa distância,  foram atacadas por dois deles, resultando em duas mordidas na perna da Tarcila. 

Houve muito estresse na tentativa de me localizarem na frente de serviço (ainda não havia telefonia celular) e também de encontrar urgente um intérprete para nos acompanhar à Bagdad, à procura de um hospital que tivesse vacina anti rábica.

Uma epopeia, pois tivemos que rodar muito no trânsito caótico da cidade,  até localizar o hospital adequado, e que se dispusesse a aplicar a vacina. Isso sem contar, mesmo com o intérprete,  com os problemas de comunicação. Muita paciência e muita conversa para convencer o doctor, o que finalmente foi conseguido. O atendimento público  era precário e com muita gente nas filas. Como diz o Ancelmo Góis (No O Globo): Deve ser horrível  viver num país... 
Vocês sabem, né...?

Inda tivemos que retornar ao hospital  por mais cinco vezes para completar a série de  vacinas necessária.

E dar as mãos à palmatória para a administração da obra por ter proibido a presença de cães no Acampamento
                                                           

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À MARGEM DO RIO EUFRATES -  CRÔNICAS

12 – ARBIL (ou ERBIL)


Na segunda viagem às montanhas o destino foi Arbil, a Leste, mais para o lado do Irã, na ocasião em guerra com o Iraque, sendo que o conflito situava-se no extremo sul do país e,  portanto,  sem problemas conosco.   Era inverno e a temperatura baixava a cada quilômetro percorrido; fomos de carro -um valente Nissan-  e éramos apenas minha família e a de um amigo vizinho. Dessa vez passamos por Sulaymainya, pequena cidade fronteiriça ao  país inimigo,  com a estrada seguindo rente às cercas de arame farpado, tanques e bases de lançamento  de mísseis. Aqui e ali topava-se  com rigorosas fiscalizações ou inspeções militares.

Hospedamo-nos num hotel moderno, com cabanas  de fibra de vidro, de razoável conforto,   com espaços exíguos mas de muita praticidade,  construído e administrado por suecos, ou noruegueses, não lembro.  O aquecimento era perfeito e decididamente  indispensável, uma vez que a temperatura à noite atingia de 10 a 12 graus negativos.  Mesmo assim, durante o dia, do lado externo do hotel as crianças brincaram e fizeram os indefectíveis bonecos de neve.

Nessa viagem, fomos visitar um velho Monastério cristão situado na Província de Nínive, região bíblica, antigo Estado Assírio.  O local, em ruínas, conhecido como  Mosteiro de Vol  Elias ainda mantinha  um frade de origem francesa, com o qual  mantivemos alguns diálogos,  em busca de informações históricas..

Os tetos dos corredores e demais cômodos  de vãos imensos formavam abóbodas, feitas de tijolos, de modo simples, sem estruturas de escoramento, tais como os nossos pequenos fornos de carvão, e que formavam  desenhos típicos da arquitetura assíria. Portas pesadíssimas e  fechaduras com chaves gigantescas fora dos padrões convencionais.

Na volta,  atravessamos a  região curda,  de grande beleza e exotismo. Uma pena o complicado e interminável problema das etnias e as contínuas guerras com o próprio país, em busca de emancipação.

   
   ARBIL



















À MARGEM DO RIO EUFRATES - CRÔNICAS

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 MOSUL

Durante o tempo em que moramos no Iraque, viajamos duas vezes à região curda. O primeiro dos passeios foi a Mosul junto com outras famílias, quando utilizamos um ônibus da empresa. Era Outono e não estava demasiado frio, só o suficiente para usar roupas de média estação.

A  cidade de Mosul, no Norte do país quase fronteira com a Turquia,  localiza-se numa região montanhosa de  altitude próxima  a 2.000 m, podendo atingir até 12 graus negativos nos meses de inverno (dezembro a fevereiro). Lá vivem os Curdos que há tempos lutam por sua emancipação.

Muitas das  habitações são encravadas nas rochas e é comum utilizarem cavernas como moradia,  devidamente adaptadas e mobiliadas.

Depois de cruzar o Rio Eufrates e avançar pelo deserto seguimos rumo às montanhas. Ao longo da viagem passamos por Tik-Rit, terra de Sadan Hussein, cruzamos o segundo rio, o Tigre, e fomos atravessando pequenas aldeias com suas cavernas-casas encravadas  nas pedras,       dotadas de portas e janelas. Tudo muito exótico, a começar pelos trajes: as mulheres, em vez de  abahias usavam roupas   coloridas, remetendo às  conhecidas ciganas;  os homens com calças largas, fundilhos baixos, tipo bombachas de nossos gaúchos. Aqui e ali  podia-se avistar uma mulher de burka.

Chegando em Mosul jà noite alta fomos procurar um hotel. Encontramos algo bem simples no centro  da cidade.  Lotado. A solução, por gentileza da gerência, foi nos acomodar num grande salão com colchonetes, padrão de hospedagem tão comum em nossa terra, nos aluguéis por temporada para grupos de excursão.

No jantar foram servidos, como única opção, frango assado e o conhecido pão árabe (apelidado pela obra como orelha de elefante) consumidos com as mãos;  nada de talheres! Apesar das reclamações salvaram-se todos. Uma experiência a mais.

Durante o retorno,  próximo ao rio Tigre e ainda na região de Mosul, visitamos Nimrud, antiga capital do Império de Assíria. Nimrud fora descrita como a cidade bíblica de nome Calahon Kalakh no 9º século a.C. no reino do Rei Ashumasipae II.  O seu palácio é decorado com uma coleção fabulosa de obras religiosas  e reza a lenda que no túmulo da Rainha  Sari foram encontradas centenas de joias de ouro e pedras preciosas. Todas as inscrições nos paredões do palácio são em escrita cuneiforme.  As altas muralhas que circundam a cidade têm cerca de 8 km de extensão.

Adentra-se ao palácio por duas entradas, entre touros com cabeças humanas ou leões com asas de falcão. Tais esculturas, magníficas, eram consideradas como guardas da cidade. 


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Abahia -  Roupa preta, feminina, comprida até os pés.

Burka – Idem  cobrindo totalmente a cabeça da mulher.

   

    


   NÍNIVE - MOSUL Imagem extraída p/ Google.

ASSIRIA  - FOTOS DO INTERIOR DO CASTELO

quarta-feira, 26 de junho de 2013

À MARGEM DO RIO EUFRATES -   CRÔNICAS

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HABANIYAH


Às sextas-feiras, equivalentes aos domingos no Ocidente,  vez ou outra o grupo que morava na república de Ramadi, fugia para Habaniyah, próximo a Bagdá, um centro turístico padrão primeiro mundo, com um grande lago artificial de águas azuis, hotel, restaurante e também chalés para locação. Parecia um “outro país” não só com relação a infra-estrutura como também pelo padrão de atendimento, freqüência e descontração do ambiente.

Esse complexo havia sido construído e estava sendo  administrado por um grupo francês, o que explicava o clima europeu.

Apesar das barreiras linguísticas era possível  total integração entre brasileiros e árabes. Lembro que certo dia,  ao promovermos uma roda de samba, nos surpreendemos sendo acompanhados por músicos nativos com seus instrumentos típicos. Tal miscelânea resultava numa coreografia surpreendentemente exótica: misto de dança do ventre com  samba no pé, sendo que as letras das músicas eram perseguidas na base de indecisões e risos. Sempre o riso, esse catalisador universal.

Mais de uma vez ocorreu de algum espectador,  geralmente europeu, nos  oferecer Dinares  para cantar a “Aquarela  du Brèsil”.  Sem nos fazer de rogados, logo o cachê era convertido em cervejas Heineken  enquanto,  com o devido perdão de Ary Barroso, improvisava-se a segunda parte do samba.

Não raro, simultaneamente ao samba, pintava um racha no campo ao lado da piscina. Árabes atrapalhados com suas dasdachas contra  brasileiros, pernas-de-pau ou não; porém o mais difícil era escolher o árbitro. Distribuir os times era complicado, mas apitar era pior: terrivelmente desastroso. Os gritos –como gritam os árabes! - ininteligíveis,   soavam como ofensas às nossas genitoras. E vice-versa, quero crer. Enfim, com boa vontade tudo se acertava e bola pra frente que dia seguinte seria sábado...início de uma dura e poeirenta semana de batente.

No final de outubro, quase três meses depois de nossa chegada, já com algumas casas   montadas e mobiliadas,  vieram as primeiras famílias e nós, pioneiros, tivemos o privilégio de hospedar  mulher e filhos no balneário de  Habbaniya  por uma semana.  Cortesia da empresa.

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Dinares – Moeda local
Dasdacha – Traje típico masculino, tipo camisolão, comprida até os pés.
                    

                      SAMIRA NO "LAGO HABANYIA" - 1979


                                                                    Continua...

À MARGEM DO RIO EUFRATES   -    CRÔNICAS

-09-

RAMADI


Pertencente à província de Al Anbar, Ramadi dista cerca de 70 kms do Acampamento Central (Km 215) que, na ocasião,  estava em fase de obras.  Era uma cidade de médio porte, talvez 200 mil habitantes. Lá ficava o escritório de apoio  e também a república que hospedava funcionários brasileiros de níveis superior e técnico. A  maioria aguardando o final de construção das residências quando então chegariam as nossas famílias, o que ocorreu a partir de outubro de 1979.

Trabalhava-se duro durante a semana, comia-se muita poeira mas nos fins de semana, ou seja, na quinta-feira após o expediente  e na sexta-feira,  a república parecia um clube, animadíssimo: festa direto.

Depois das 18 horas, acendia-se a churrasqueira para o churrasco (com carne importada da Austrália, ou Nova Zelândia)  ou o fogão para  uma galinhada,  um peixe (dos rios Tigre ou Eufrates) ou qualquer outra opção que viria a ser o pivô da festa. Surgiam  violão,  pandeiro (o meu),  atabaque  e outros instrumentos improvisados. A noite seguia alegre, descontraída e eventualmente recebíamos rapazes vizinhos –nativos-  que dançavam e rebolavam desajeitadamente, contagiados, tentando nos imitar  no samba.

A bem da verdade, a despensa e as geladeiras da república viviam fartamente abastecidas de carnes –exceto de porco-, legumes e demais alimentos, além de cervejas (da Bélgica) uísques (da Escócia) e refrigerantes nativos.

Vez em quando, para fugir da rotina íamos até  Habanya, um complexo turístico próximo a Bagdá, assunto de outra crônica.


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Quinta-feira: corresponde ao Sábado no calendário muçulmano e  trabalhávamos até as 17:00 h.

Sexta-feira  : era o Domingo.

terça-feira, 25 de junho de 2013



À MARGEM DO RIO EUFRATES  -  CRÔNICAS

-08-
Comunicação
 Ao longo da construção da ferrovia foi desenvolvida uma linguagem própria, melhor, um dialeto –Mendês- para a necessária comunicação com os árabes: um misto de português, inglês e  árabe com pitadas de italiano que com o passar dos dias, chegou a funcionar de modo satisfatório. Exemplo de uma conversa com o motorista:- Anta stop here. Ana vai shuf manjaria e come back  em hamsa minuts...   (Tradução: Você espera aqui.  Eu  vou  ver comida e volto  em cinco minutos).
Mas também poderiam ocorrer cenas inusitadas como esta em Ramadi, numa feira de rua:
- Como será TOMATE em árabe ?  Perguntei ao  colega brasileiro.
O feirante ouviu a palavra chave e prontamente...
- AKO TOMATE !!  (Tem tomate !!)
Ou seja, tomate em árabe é... tomate.


 Choque cultural   

Automóveis – Os táxis (principalmente) e automóveis comuns, exageram nos enfeites e penduricalhos:  cortininhas , bichinhos e uma gama de enfeites dourados, o que para os padrões ocidentais seriam considerados brega.
O uso indiscriminado da buzina contribui para a enorme poluição sonora. Depois de algum tempo expostos, caminhando pelas ruas, somos tomados por certo desconforto auditivo .

Mulheres -  As iraquianas são, de modo geral, muito bonitas com seus olhos e cabelos negros.  Ainda hoje é normal vê-las nas carrocerias das picapes  pois as cabines são exclusivas dos homens, maridos ou não. O motorista leva o filho,  criança ou não,  na cabine; a esposa na carroceria.  E durante a refeição, primeiramente os homens são servidos, depois então as mulheres. Ou seja, ainda são vistas quase que exclusivamente para reprodução.

Amizade - É comum ver homens na rua conversando ou simplesmente caminhando de mãos dadas. É prova de amizade.  Tão natural quanto a nós brasileiros colocarmos o braço sobre o ombro do amigo.

Talheres – Exceto Bagdá e outras cidades de porte médio, é raro o uso de talheres nas refeições.  No interior, e relativo às classes menos favorecidas, é perfeitamente comum o uso das mãos diretamente na comida.   Aliás, só a mão direita pois a esquerda é usada para a higiene íntima.

Alimentos - Excluindo o feijão e obviamente a carne de porco (proibida pelo Islamismo) encontramos no comércio quase todos os produtos a que estamos acostumados.  As frutas são deliciosas:  tâmaras, melancias (muito doces), amoras e romãs  são abundantes.  O pepino é consumido tal como  as bananas  no Brasil; tão popular que é saboreado  naturalmente na calçada ou no ponto de ônibus.  Detalhe: não é tão indigesto quanto o nosso; é  leve e com sabor diferenciado, lembrando o pepino japonês. A carne de carneiro é a utilizada no dia a dia.

O clima  - O verão é bravo e a temperatura mais ao Norte do país pode alcançar os 50 graus, sendo o clima bem seco, tornando difícil a transpiração. No entanto, no inverno, por estranho que seja, a temperatura baixa demais sendo comum chegar a 2 ou 3 graus.  Pela manhã para sair com o carro, era rotina jogar água morna no para brisas  para dissolver o gelo.
Talvez a maioria dos funcionários tenha viajado à Bagdá no intuito de comprar agasalhos; não simples agasalhos mas aqueles próprios para  neve. Eram usados, adquiridos nos Souqs (mercados) perfeitamente higienizados e importados da Europa. As crianças (todas!) do Acampamento 215 pareciam pequenos ursos com seus capotes e capuzes peludos.
Observação: Os aparelhos de ar condicionado das casas eram os únicos eletrodomésticos que não descansavam: ora refrigerando,  ora aquecendo, dioturnamente.

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                                                                    Continua...



À MARGEM DO RIO EUFRATES - CRÔNICAS

07
IRAQUE  - CURIOSIDADES

Situado no médio Oriente, o país  é limitado ao norte pela Turquia, a leste pelo Irã, ao sul pelos Golfo Pérsico, Kuwait e Arábia Saudita e a oeste pela Jordânia e Síria. No   território atual do Iraque teve início a civilização  Suméria, a  mais antiga do mundo, por volta de 5.000/6.000 A.C.  Foi lá também que com o aparecimento da escrita surgiram os primeiros registros históricos.  Daí o Iraque ser considerado  berço da civilização mundial.
A maior parte do país é desértica,  sendo que  as regiões próximas  aos rios Tigre e Eufrates propiciam a agricultura. Os principais produtos de exportação são o petróleo e as tâmaras.

BAGDÁ -  O nome   é  pré-islâmico e suas raízes  não são conhecidas. No entanto, supõe-se que a origem do nome “Bagdá” seja um composto linguístico do persa médio Bag “deus” e dad “dado” ou seja,  “dado-por-Deus” (*).
A cidade foi fundada em 762 pelo califa abássida  al-Mansur e tornou-se uma das cidades mais esplendorosas do mundo. Foi destruída pelos mongóis em 1258 e disputada durante séculos por turcos e persas. Em 1638 tornou-se parte da Turquia e em 1917 foi ocupada pelo exército inglês. No ano de 1920  transformou-se em  capital do Reino do Iraque,  sendo capital do país e da província.
A população era (antes da guerra com os EE.UU.) estimada entre 5 a 7 milhões de pessoas. 

Samarra -  Situada na parte central do país, a leste do rio Tigre  e a noroeste de Bagdá, já era habitada no 6º século a.C.   O monumento mais famoso da região é a grande Mesquita com  seu minarete  em forma de espiral. 
                           
               TORRE DE SAMARRA

Babilônia -  Situada a 90 km ao sul de Bagda. Foi lá que no período mais brilhante da civilização mesopotâmica  surgiram  as leis escritas mais antigas: o Código de Hamurabi  famoso rei, legislador e reformista social . Lá  estão gravadas as leis,  na época, vigentes, mas de origens também mais antigas. Ali estava escrita, inclusive,  a Lei de Talião “olho por olho, dente por dente”. 



                                     PORTAL DA BABILÔNIA

                        
                          LEÃO DA BABILÔNIA



Nabucodonosor, o Rei (605 – 563 a.C.), a reedificou, fez novas fortificações e construiu os Jardins Suspensos.  A Babilônia chegou a ser a  maior e mais bonita cidade do seu tempo.  



     PALÁCIO DE NABUCODONOSOR


                                                                  
Abássida -  Referente a dinastia dos abássidas composta de califas descendentes de Al-      Abbas, tio do profeta Maomé (Mohamed).

-Torre de Babel – A localização da lendária construção teria sido na planície entre os rios Tigre e Eufrates, uma região estrategicamente boa por ser muito fértil. Nada a ver, como muita gente pensa, com a Torre de Samarra,  feita em espiral.

Ctesiphon – (Pronuncia-se Tesifón).  Situada a leste do rio Tigre,  a 35 km de Bagdá, foi uma das grandes cidades do Império Persa, e  sua origem remonta ao século II a.C.; no século 6º  foi considerada a maior do mundo. O “Arco de Ctesiphon” faz parte do Palácio Branco, agora quase totalmente destruído. Trata-se de um imenso arco  com mais de 36m de altura, 25m de largura (o vão entre os muros esquerdo e direito), por 50m de comprimento –vão livre- sem nenhuma estrutura de sustentação. Do tipo abóboda Persa foi o maior já construído


        ARCO CTESIFON





MEUS 3 FILHOS E MAIS 2 AMIGOS, TENDO AO FUNDO O ARCO DE CTESIFON.

Conta a lenda que sendo perguntado sobre o destino da biblioteca do Palácio, o califa Umar ibn al-Kattab, teria  respondido: “Se os livros contradizem o Alcorão, são blasfemos. Por outro lado, se estiverem de acordo, eles não são necessários”. Todos os livros foram queimados ou jogados no rio Tigre.

- Heet – Pequena cidade, próxima ao Acampamento Km 215. Na rodovia rumo à Bagdá, ao passar por Hit sentia-se cheiro de óleo  ou enxofre, e era possível ver  à beira da estrada, brotando a olho nu,   pequenas poças  negras como petróleo. Creio que era o próprio.


- Roda d’agua – Na cidade de Hana havia uma roda d’água instalada no rio Eufrates; com aproximadamente 3.000 anos  ainda funcionava (pelo menos até 1984).   –
                                                                            Continua...
                          ARCO DE CTESIFON

                                               MEUS FILHOS, MAIS DOIS AMIGOS, COM O ARCO DE CTESIFON AO FUNDO..
                                                 TORRE DE SAMARRA
                                                    PORTAL DA BABILÔNIA
                                            LEÃO DA BABILÔNIA
                                               PALÁCIO DE NABUCODONOSOR

À MARGEM DO RIO EUFRATES -    CRÔNICAS

-06-
A CORDIALIDADE IRAQUIANA



Vez ou outra, nos fins de semana, saíamos do Acampamento, caminhando pelos arredores,  observando os povoados vizinhos. Atravessando o Eufrates por uma ponte rústica  antiquíssima, alcançava-se uma  pequena aldeia. Ali podíamos ver casas feitas de barro assemelhando-se às nossas casas caipiras, de pau-a-pique. No quintal  crianças sorridentes, cabritos e galinhas.

Certa tarde, voltando  da caminhada,  adentramos um povoado e para nossa surpresa fomos, eu e família, gentilmente convidados por um morador a entrar em sua casa.  E foi o que fizemos: Sentamo-nos em almofadas no tapete da sala e ancorados  na mímica e  troca de sorrisos, fomos servidos de maia e chai.  Ficamos um longo e agradável  tempo conversando:

-  “Ana brasili mas esta filha aqui tem nome árabe: Samira”.
- “Samira? Samira?!” Admirados,   a conversa destravou e seguiu animada com os recursos possíveis: aqui uma palavra em inglês, ali outra  em português  e mais adiante uma em árabe;  e assim, entre silêncios e sorrisos, as emoções eram transmitidas, com base na mímica, deduções, olhares e tom de voz.  

Lá fora, no quintal, as crianças ignorando diferenças étnicas e  idiomáticas  se divertiam correndo atrás de cabras e galinhas.

Antes das despedidas  a dona da casa ainda trouxe uma bandeja com coalhada de leite de cabra,  pão, tâmaras  e ...mais chá. O chá equivale  ao nosso cafezinho  oferecido  às visitas.

Uma casa humilde.  Uma família  cordial. Uma tarde para não esquecer.


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Maia : Água
Chai : Chá
Ana brasili:  “Sou brasileiro”.


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                     RUÍNAS, NA BEIRA DO RIO EUFRATES.

À MARGEM DO RIO EUFRATES  -  CRÔNICAS


-05-

KM 215 – ACAMPAMENTO CENTRAL


Inicialmente a obra teve três grandes acampamentos: Km 30 (a trinta km de Bagdá). Km 215 (Acampamento Central) e o Km 350 (ponto mais avançado na ocasião). O Km 215 era o principal: localizado de modo privilegiado, numa linda curva à margem direita do Rio Eufrates  (Foto)  contava com excelente estrutura: Residências, Escritórios de Administração, Supermercado, Hospital, Clubes (2), Hotel, Central de TV (circuito interno), Corpo de Bombeiros, Colégio,  Estação de Tratamento de Água e outros.

As residências eram formadas por contêineresimportados de Houston, Texas- acoplados  e podiam ter 1, 2 ou 3 dormitórios, de acordo com a família do funcionário.   Eram dotadas de todo o mobiliário: do aparelho de ar-condicionado ao abridor de garrafas, e distribuídas somente aos casados. Os solteiros ficavam em alojamentos  também providos de regular conforto ou dependendo do cargo e/ou graduação ficavam hospedados no hotel do Acampamento.

O Supermercado era razoavelmente bem abastecido podendo-se  encontrar desde feijão preto até aguardente; também vinhos franceses e carne da Austrália; verduras e legumes,  alguns da própria horta cultivada à beira do  rio. As compras eram pagas através carnês –tíquetes- havendo limites de acordo com o cargo do funcionário.

Do salário, recebíamos cerca de 25%; o restante vinha para o Brasil e creditados em  contas-correntes bancárias. Esses 25% eram suficientes para a alimentação, pequenas compras no comércio local e algum gasto extra.

Referente à  área de saúde havia um hospital, com dois médicos, e enfermagem; exames clínicos, laboratoriais, RX, exames odontológicos e  até internações. Somente  casos graves ou cirúrgicos eram enviados à capital ou, em situações extremas, enviados ao Brasil. Nas frentes de serviços  -pontos avançados acompanhando a obra-  haviam Postos Médicos.

Quanto à educação, a cargo do  Colégio Pitágoras, de BH,  só elogios; com excelentes professores oriundos de Minas Gerais foi considerado  o ponto forte do Acampamento Central, tornando-se referência e centro das atividades da criançada. Funcionava em tempo integral, participando das diversas campanhas promovidas, como prevenção de acidentes no trabalho, em incêndio e no trânsito.

Para exemplificar o grau de excelência:  Se fosse preciso punir,  disciplinarmente, algum filho o castigo era “não ir a escola no dia seguinte...”

Para o  lazer tínhamos dois clubes com piscinas, quadras poli-esportivas, campo de futebol, cinema, etc., com frequentes atividades esportivas, torneios de  natação e outros. As festas de Natal e  Ano Novo eram comemoradas naturalmente e até no Carnaval os Clubes promoviam bailes e alguns blocos  ousavam desfilar pelo interior da vila, sem nenhuma restrição ou qualquer tipo de censura. O Acampamento Central era o nosso Brasil.

                                Vista parcial do Acampamento Central
                        BLOCO DE CARNAVAL NO ACAMPAMENTO
                   (O de camisa do Flamengo -tocando bumbo- sou eu).
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                     PROGRAMA NA TV, SOBRE SEGURANÇA DO
                  TRABALHO                              


Tínhamos também uma Central de TV, com Circuito Interno, programação própria com noticiário sobre a obra, eventos, notícias do Brasil, e até novelas da GLOBO, além de filmes e principais programas vindos do Brasil, como Copa do Mundo, Campeonatos de Futebol e Carnaval. Às sextas-feiras (domingos) um Padre, residente em Bagdá, vinha ao Acampamento rezar  missa,  assim como um Pastor Evangélico –contratado pela empresa- comparecia para realizar suas pregações.

Também às sextas-feiras tive a grata experiência de apresentar um programa de TV, cujo tema era Prevenção de Acidentes,  onde mostrava as diversas frentes de trabalho e suas peculiaridades relativas à Segurança do Trabalho.

Funcionários de nível superior ou com cargos diferenciados usavam  carros da empresa,  na maioria FIATs brasileiros e era possível, nas folgas, viajar pelo país sem nenhum problema: os brasileiros eram muito queridos e  além do mais a gasolina era baratíssima, quase de graça.

Muitos de nós, durante períodos de  férias e no retorno definitivo,  viajamos a países europeus e do Oriente Médio. A oportunidade de conhecermos outros países foi o  motivo  determinante  na  decisão de irmos trabalhar no Iraque.

                                 
                                                                         Continua...



                                 O meu filho com colegas frente à casa.
Torneio de Natação no clube.
                                                As filhas brincando de teatro
                                                 Bloco de Caranaval na Vila Residencial








segunda-feira, 24 de junho de 2013


Os 3 filhos diante do Museu de Bagdá.
À MARGEM DO RIO EUFRATES - CRÔNICAS
-04-

RUMO AO DESCONHECIDO

No momento estamos num ônibus atravessando a capital do país em direção a ponte que cruza o Rio Tigre, para dali rumar ao deserto. Termina aqui o dolce-far-niente que durou uma semana. Foi muito bom o longo descanso após o vôo de 27 horas. Interessante foi também passear a pé e de ônibus de dois andares (reminiscência inglesa) pelas ruas de Bagdá, observando mesquitas e monumentos; Importantíssimo visitar o Museu de Bagdá,  perambular por becos com seus inúmeros souqs de tapetes, samovares, narguilês e tantas outras curiosidades, entre gritos de oferta dos mercadores; o colorido das tendas; o cheiro de ervas e sementes exóticas, revisitando  um tempo, remoto, de minha infância: Shaharazade, As 1001 noites  ou  O ladrão de Bagdá.

Do grupo que seguiu  (mestres-de-obras, oficiais carpinteiros, encarregados, técnicos de mecânica e uns poucos de área administrativa)  o único que tinha noções da língua inglesa era este pobre narrador. Portanto, nesses dias que permanecemos em Bagdá tornei-me, de modo circunstancial, o pseudo-intérprete da turma. Pequenas necessidades como pedir batata frita, uma cerveja, procurar um toalete, essas coisas, deu tudo certo e salvaram-se todos. O Iraque fora colonizado pela Inglaterra, daí a maioria da população ter conhecimento do idioma bretão. Contudo, tal privilégio ficara restrito às principais cidades; no interior do país o conhecimento da língua não atingiu, como sempre, os mais humildes.

Sentado na poltrona mais próxima ao motorista, tentei por várias vezes iniciar alguma conversação, tipo quantos quilômetros faltam? como é o seu nome?, nada. Só através de mímica. O piloto, do alto de sua sabedoria milenar, vestido de dasdacha e de hatta brancos, era só sorrisos –menos mal. Entretanto, no receptivo sorriso exibia raríssimos dentes, o que era motivo de risos e molecagens  no interior do ônibus.

Encarando o asfalto precário, o valente ônibus avançava deserto adentro, enquanto nós, audaciosos  pioneiros, cochilávamos embalados pelo sacolejar do veículo e um modorrento calor. Durante o trajeto paramos duas ou três vezes para esvaziar bexigas e forrar o estômago com tâmaras, amoras e melancias docíssimas além, claro, de muita água.

 Entardecia e o por de sol incendiava o céu.

Era quase meia-noite quando chegamos ao destino, com o grupo reclamando da fome. Tivemos sorte em localizar  um funcionário, nosso conhecido de outra obra da Mendes, no Brasil,   responsável pelo pequeno acampamento.   Aberta a cantina,  foi  servido um improvisado lanche. A nosso convite, o banguela e sorridente motorista lanchou e despediu-se com muitos chukrans e outros tantos salamaleques (mesuras trazidas  ao Brasil pelos primeiros imigrantes árabes, os"turcos").  Posteriormente iria descobrir que naquela época, por não termos relações diplomáticas com certos países árabes, os imigrantes  tinham que passar pela Turquia,  recebendo o carimbo turco em seus passaportes. Por isso popularizados  como turcos.

Hora de dormir. Antes, porém, fiz estas anotações. Eu me encontrava extremamente cansado, mas feliz; afinal, o desconhecido sempre me fascinara.



                                      ------

Souk:  Mercado de tapetes, objetos de metais, roupas, etc.
Dasdacha: Túnica comprida
Hatta: Turbante
Chukran: “Obrigado !”
Salamaleque: Corruptela de “Salam Aleikum” (Deus -ou a paz- esteja convosco !)



                                                                              Continua...



À MARGEM DO RIO EUFRATES - CRÔNICAS


-03-

AINDA BAGDÁ –  À ESPERA DE TRANSPORTE



Bagdá, trinta  de agosto de 1979, 15:00 horas, 46 graus. Bem alimentados e  descansados estamos, todos os trinta e dois homens, com as bagagens empilhadas no hall do hotel, aguardando a condução que nos levará até Ramadi, principal cidade da Província de Al Anbar, no Oeste do país.

Lá fica o escritório  provisório  da empresa, ponto de apoio para a construção do Acampamento Central da grande obra. A  obra, uma ferrovia com cerca de 600 quilômetros, sairá de Bagdá e após cruzar a Província de Anbar atravessará o imenso deserto seguindo  rumo a Al Caim e depois Akashaf, no Oeste, fronteira com a Síria. Uma gigantesca estrada de ferro que custará cerca de US$ 1,3 bilhão aos cofres do governo iraquiano.

A Mendes  Jr. construiria também mais duas obras: a rodovia –“expressway”- de Bagdá à Amã, capital da Jordânia, e mais o Projeto Sifão, uma estação de bombeamento do Rio Euphrates, no centro da capital.  A turma que segue comigo chega  para edificar todo o acampamento central.

O Acampamento Central, fica situado no Km 215 ou seja, a 215 Km de Bagdá, plantado, depois de uma curva, à margem direita (montante) do  Rio Eufrates.  Este lendário rio nasce na Turquia, atravessa a Síria e corta o país iraquiano, indo em direção ao Golfo Pérsico que os árabes, compreensivelmente, insistem em chamá-lo de Golfo Arábico. O Rio Tigre  segue quase paralelo ao Eufrates, seu velho parceiro.

O Acampamento abrigará não só as residências dos funcionários brasileiros como também as instalações de apoio, tais como oficina central, escritórios, hospital e demais setores que atenderão o lado funcional  no desenvolvimento da obra, oferecendo todo o apoio logístico. Esse grande acampamento contará com  a estrutura  necessária para manutenção e fixação das famílias. Desse modo, o Km 215  tornar-se-ia  uma pequena colônia brasileira devendo, no pique da obra, acomodar cerca de 6.000 mil brasileiros; mas esse assunto será objeto de futuras narrativas.                                                                 

Agora, 16:00 h, chega o micro-ônibus e lá vamos nós rumo ao deserto; rumo ao desconhecido.

Inshalá ! (Seja o que Alá quiser!).


 Obs.- Crônica escrita durante o percurso.



domingo, 23 de junho de 2013


POESIA A ESSA HORA...?



A PENSÃO BEIRA-MAR

No meu chão interior
repisando a rua desarborizada
sinto a poeira levantada
por  ônibus apressados
na rua ...mais tarde,  Boulevard.
Nos temporais a ingenuidade brincava
nas poças  d’água.
Triste: não havia flamboyans
na rua Major Belegard.

De frente, a lagoa deslizava  zombeteira
- não era mar e nem beirava-
mas  a  pensão de meu pai
chamava-se  Beira-mar.

Agora,
as crianças, preocupadas,
enrugadas,
dispersaram-se por aí...
e na madrugada já não passam pelo beco
os indefectíveis
e notívagos bois.

Onde havia uma pensão, vê-se neons e fumês.
Persistem lá, no  muito longe,
risadas e meninos
de faces coradas,
e a única amendoeira
de onde  pardais,
displicentes,
faziam seu cocozinho
nos carros dos hóspedes.

JPC









À MARGEM DO RIO EUFRATES  -  CRÔNICAS




-02-

BAGDÁ: TRÂNSITO E CALOR


A buzina do carro não é apenas um importante acessório. Em Bagdá, e no resto do país, é peça fundamental da estrutura do veículo.  Pode-se, com boa dose de imaginação, achar que ela seja interligada  ao câmbio ou aos pedais, tal a intensidade do buzinaço  nas ruas. Os motoristas buzinam sem cessar e sem motivo imediato, tão somente excesso de precaução. Buzinando intermitentemente lá vão eles enfiando os  carros  no emaranhado do trânsito, num "Alá-nos-acuda" insuportável.

E o pedestre?  Este, de certo modo é privilegiado. Nos casos de atropelamento o motorista, culpado ou não, será agraciado com uma série de pescoções distribuídos pelos  transeuntes. Dependendo do estado de  gravidade do acidentado  o motorista poderá ser preso e sua liberdade condicionada ao tempo de recuperação da vítima. E se a vítima falecer?  Bem, aí o motorista fica nas mãos da família que pode fazer algumas exigências, inclusive, em termos de Dinares, a moeda local.

À margem do pandemônio dos automóveis sigo pelas calçadas da Avenida Harum Al Hashid,  personagem de “As mil e uma noites”, olhando vitrines e as raríssimas mulheres com roupas ocidentais. A grande maioria usa por sobre os vestidos comuns, a abaia  até os pés. Um lenço, também negro, cobre a cabeça escondendo nariz e boca. (posteriormente, no Leste do país, quase fronteira com a Síria, e também ao Norte próximo ao Irã é que testemunhamos o uso da burka).

Visitamos a praça Ali Baba;  nenhum bar à vista. Aqui e ali meninos vendendo copos d’água com pedras de gelo, de modo bastante primitivo: na calçada, um balde com água e uma barra de gelo sendo quebrada aos poucos, de acordo com os pedidos. Higiene, zero. Até aquele momento, os mais de cinqüenta graus (!) dessa tarde não me motivaram a beber daquela água. (Meu reino por uma cerveja !)

O que nós não sabíamos é quão difícil seria encontrar bebida alcoólica em bar. Aliás, bar no estilo ocidental, nem pensar. Só casas de chai (chá), onde também era comum vermos senhores –quase sempre idosos- conversando e fumando  narguilé.  Com o tempo, descobriríamos ser possível tomar um drinque em bares de hotéis- internacionais- e em um ou outro restaurante de luxo.

Afinal, ao entardecer, fomos rendidos pela insistência do menino de olhos pretíssimos e desembolsamos 25 Fils enquanto ele anunciava aos gritos: Maia bárid... Maia bárid ...!!

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Narguilé – Peça metálica, tipo jarro, de 0,50m ou 0,60m de altura, com  água, usada  para  fumar.
Abaia – Roupa negra que vai até os pés.
Burka – Idem, porém cobrindo totalmente a cabeça.
Fils - Centavos do Dinar, a moeda local.
Maia bárid - Água gelada.



sábado, 22 de junho de 2013

À MARGEM DO RIO EUFRATES - Crônicas



Durante 4 anos morei no Iraque -Oriente Médio- a trabalho pela Mendes  Júnior  International  Co.  numa obra de construção de uma ferrovia que ligava aquele país à Síria.  Seguem algumas impressões e fotos dessa extraordinária experiência de vida ocorrida entre agosto de  1979 e  maio de 1984. 



 


-01-

BAGDÁ: A CHEGADA

Seja o que Deus (ou Alá...) quiser, pensei cá com o meu zíper quando o trem de pouso do Boeing tocou a pista do Aeroporto de Bagdá, no Iraque. Eram nove e meia da noite de 06 de agosto de 1979.

Na fila para fiscalização da alfândega, no abre-fecha e busca-rebusca das malas, é que finalmente acordava para a realidade: “Puxa vida, cá estou no Iraque, pleno Oriente Médio, num mundo estranho e  palco de guerras contínuas”.  Mas, acredite quem quiser, estava fascinado.

Lá fora, um táxi esperava para nos levar ao Hotel Al-Mansour, reservado pela Mendes Júnior Int. Co. para hospedagem dos funcionários recém chegados. Após o banho, devidamente instalados no apartamento decorado com grossas cortinas de veludo e arabescos dourados, é que sentimos a ausência do funcionário patrício que viera nos recepcionar: Aí sim, a ficha caiu. Como naquele livro infantil de piratas senti-me “abandonado à própria sorte...”, ou seja, teria que me virar  com um inglês claudicante e conseguir algo para comer e beber. Principalmente beber.

Depois de algumas cervejas frias –geladas, nem pensar- no pátio interno do Al-Mansour, caímos na cama. Como dormir, se a diferença de fuso horário -27 hs de vôo- fizera do organismo um baralho,  embaralhado e partido ao meio?

Despertado  pelo  chamado  pungente  do  Muezim   do  alto de um minarete,   constatei mais tarde que era feriado, creio que fim do Ramadan. Saímos, eu e um amigo, para uma volta nos arredores, reconhecendo o terreno;  após perambular pelas ruas do centro, admirando a arquitetura exótica, mesquitas com tetos abobadados,  reluzentes e dourados,  nos dirigimos  ao Museu do Iraque, onde permanecemos praticamente o resto do dia. Lá se encontravam resquícios das culturas Assíria, Fenícia, Babilônica, Persa, enfim, a recomposição fragmentada de cerca de 6.000 anos de história da civilização.  

À noite, no jardim do hotel, tivemos oportunidade de sofrer na própria pele a agressividade do calor. Um calor diferente, sem suores; nenhuma umidade no ar. Eram mais de 23:00 h  e ainda sopravam lufadas mornas de vento. Na mesa de mármore no jardim do hotel,  garrafas de cerveja, vazias, se misturavam às moscas. Muitas moscas.

Saudade dos bares de minha terra.  E, muita, do vento Nordeste.

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Ramadan – Período de jejum religioso (entre o nascer e o por do sol as pessoas não se alimentam)
Muezim – Sacerdote que convoca os fiéis para as primeiras preces; são cinco no decorrer do dia, sendo a última ao entardecer.
Minarete – Torre de Mesquita.


                                                                                                                                    MESQUITA NO CENTRO DE BAGDÁ                                                            
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