Dom Fradique de Toledo Osório --
Dom Fradique desceu do barco, olhou para o alto demoradamente extasiando-se com o cheiro forte do mercado de peixes, aquele cheiro que lhe era tão familiar, e sem expressar nenhuma emoção pisou a passarela que dava acesso ao cais. Deu uma olhadela discreta para trás observando a velha lancha branco-desbotado, com várias manchas de ferrugem no casco. Na proa, com algum esforço, ainda podia-se ler "Orgulho do Mar" em letras outrora douradas.
Sem demonstrar o menor sinal de enjoo pela viagem no mar encapelado, insensível, D. Fradique desceu o pranchão em direção à terra.
Enquanto atravessava a passarela pude reparar: passo cadenciado, cabeça levantada, nobre. O olhar deixava transparecer, para quem o conhecia bem, um certo cansaço mas o porte sempre altivo como se todos e tudo não tivessem o mais insignificante sentido. Ele sempre fora objetivo: o importante era chegar ao destino.
De longe, outro lado da rua, eu acompanhava seus passos. Já não era o mesmo, lógico, afinal haviam-se passado alguns anos e seu andar cuidadoso tentava mascarar uma firmeza de anos antes. Um pouco mais gordo, é verdade; o orgulho igual. O meu amigo D. Fradique de Toledo Osório vindo morar comigo em definitivo e eu me contendo para não correr em sua direção e abraçá-lo, beijá-lo efusivamente. Ele que havia sido em minha mocidade o meu "segurança" , o guru de nossa turma. Relembro-o alegre, espontâneo, disponível, companheirão, e mais que tudo, leal.
- Dom Fradique ! Gritei da varanda de casa. Ele girou o pescoço como um guindaste, ereto, do seu jeito, dominando já o ambiente. "Dom Fradique de Toledo Osório" , repeti de modo pausado; ele olhou em minha direção parecendo ter-me localizado.
Faziam seis anos que não nos víamos. Anos atrás e viria disparado, como das vezes em que me saltava em cima, jogando não-sei-quantos-quilos sobre o meu corpo. Ficava tão excitado que às vezes se urinava todo. Fosse antes, me beijaria desajeitado e carinhoso como só ele.
Mas agora... Notei o seu olhar, como se pedindo desculpas por ter envelhecido. Estando já próximo escapou-me um "vem cá..." tão comovido que ele, juro, parece ter sorrido docilmente e foi-se chegando devagar, sem nenhuma vibração, como se nunca houvesse se afastado daqui de casa. Olhou-me fundo, lambeu-me a mão, sacudiu de modo lento a cauda e deixou-se ficar aqui junto a meus pés, sem afetação, deitado, quieto. Por certo o instinto avisando-lhe da brevidade de seu fim e ele querendo, apenas, ficar ao lado de seu mais amigo. Nada mais que isso.
Não sei... mas poderia jurar que seus olhos amarelos também lacrimejavam.
JPC
Nenhum comentário:
Postar um comentário