quinta-feira, 23 de maio de 2013

CRÔNICAS

OLHA A MERDA AÍ, WALDEMAR!

Mil,  novecentos e sessenta e poucos. Sábado, talvez  uma ou duas da manhã numa cidade deserta,  noite tranquila e sem vento, um pouco  quente e  a turma sem muito o que fazer.  Já faláramos das conquistas amorosas,  fizéramos  as  relações dos melhores filmes, melhores  atores,   piadas recontadas (Hamilton Rosa era o mestre)  e nós ali na praça Porto Rocha em frente ao Hotel Colonial,  a ponto já de irmos embora.
- Gente... Vocês viram a lua...?
- Caracas! (mentira: naquele tempo ninguém falava caracas).  Com certeza foi outra exclamação.
Realmente, a lua estava plena, divina, soberana, clareando  toda a praça inclusive as barracas de  Colé Colé e de Antonio Pemba.
- E a lagoa, já repararam...?  Um  mais  observador  chamou a atenção.
E lá fomos em direção à banca de peixes ver de perto  o reflexo da lua na lagoa,  paradona , um espelho.  Um espetáculo convidativo à interação.
A conjunção de noite quente, lua cheia e lagoa parada provocou espontaneamente  o desafio de dar um mergulho. Por que não?
Renato Lopes, Jacob Mureb, João Marcos, Everardo,  os neurônios não garantem  mas creio que  o  Tipi  também. Todos  caímos na água. Pelados. Completamente pelados.  Era um ir e vir incansável, do corrimão da banca para a água ,e vice-versa.
E na bagunça dos “fincões”,  “anjos”, “barrigadas” e “canivetes”, não deu para notar quando aproximou-se quem não deveria  aparecer.
- Sujou...! (2ª mentira: ninguém falava “sujou” naquele tempo.  Na verdade, foi “Olha a merda aí, Waldemar...!”)
De pé, no centro da banca, o inesquecível e único guarda-noturno da cidade, Sr. Zé Sampaio.  Braços cruzados,  havia juntado as calças, camisas e cuecas  num bolo só, junto a seus pés.
- Muito bonito, isso !!  Vamos saindo, já!
Entre encabulados e zombeteiros, subimos os degraus de acesso à banca com  as mãos cobrindo as partes pudendas (à  época inda se falava pudendas...).


E o “seu” Zé Sampaio continuou, agora com  caderninho e  lápis nas mãos:
- Vão dizendo os nomes, aí...
Nada. Silêncio absoluto.
Após algum tempo, já aporrinhado e pra encerrar o impasse, o  “seu” Zé Sampaio arrematou:

-Não é preciso dizer os nomes, não. Conheço todo mundo... Apontando para cada um, ia anotando e falando alto...  Para Tatá: “você  é filho de Macário; Para Có e Tipi “ Você são  filhos de Adib. ... Você é filho de João Nogueira; Você é filho de Mureb e você é filho de Claudio Nenêgo.
Fim da brincadeira. Fim de noite.  Lá  fomos nós, cada um para a sua casa. Molhados e felizes. Mais felizes.
Hoje,  a banca de peixes não existe;  o “seu” Zé e alguns de nossos amigos  já se foram.
Restaram  a lua e a lagoa. E a saudade, é óbvio.

JC
                                


Um comentário: