CONTO ---
UMA AVENTURA EM MACEIÓ ---
Aniversário da namorada. Festinha
despretensiosa, poucos convidados, não mais de quinze. Exceto uma velha amiga,
ele conhecia a todos. Essa amiga, Teca (Tereza), natural de Palmeira dos Índios
o remetia a um contemporâneo do exército, também natural daquela cidade. Colega
de alojamento, cama vizinha, trabalhava na cantina e um dia oferecera uma lata
de ameixas em troca de uma cerveja. Aceitou e em seguida se arrependeu: aquilo
cheirava a furto na cozinha. Nunca mais esqueceria do fato.
A conversa entre as amigas
esticava-se animada: antigos colegas, namorados, faculdade, por aí afora. Assim
que surgiu uma chance, foram apresentados. A Silvia trouxe a amiga pela mão.
“Este é meu namorado... o Ryd”.
Beijinhos e cumprimentos de praxe.
- Ryd é apelido...?
- Não. Ryd Naruj; homenagem a um
poeta indiano. “E por que Palmeira dos Índios?”.
- Ora, “minha terra tem
palmeiras...” e índios.
- Mas apenas uma palmeira...! e
quantos índios ?
- Sabe que nunca havia pensado
nisso ? Vou pesquisar. Tem um cigarro aí...?
- Deixei de fumar há mais de dez
anos. Cigarro mata.
Enquanto a Silvia dava atenção à
festa trocando CDs, providenciando gelo, essas coisas... o Ryd papeava com a
Teca que era danada de bonita. Toda
clara; pele, cabelos e olhos claros.
- Você bem poderia chamar-se
Clara...
- É claro... retrucou sorrindo e
apertando os olhinhos. “Eu e a Silvia somos velhas amigas, acho que desde a
creche. Depois nos perdemos por aí, e há três anos não nos víamos”.
- Maceió não é tão grande assim,
disse ele. Para uma boa amizade é muito tempo, não acha?
- Creio que foram os casamentos,
a gente acabou se afastando.
- Você é casada? Tão nova...
- Vinte e três anos...
- De casamento? (rsrsrs)
- Ôxe...! (rsrsrrs)
- Filhos?
- Felizmente, não.
Alguns
convidados se aproximaram, e ele chamou a namorada para dançar.
Mais tarde, na brincadeira que
surgiu na sala, os casais trocando de parceiros... E quando deu por si dançava
sozinho. Silvia e Teca papeando na cozinha. Cabeça meio zonza, teve certeza que
o vinho não era dos melhores mas como havia iniciado com ele evitou misturar. O
som rolando solto.
Passava das duas da manhã, os
amigos se retiravam pois dia seguinte, ou melhor, pela manhã –segunda
feira-, iriam trabalhar. Agora,
rendera-se e tomava um uísque enquanto
dançava solitariamente uma balada country. Silvia, no elevador, despedia-se de
retardatários.
- Estou indo, queridos.. .Disse
Teca.
Indagada se estava de carro,
negou: “Nâo, ficou com o maridaão”.
- Preto –era o Ryd- “Dá uma
carona para a Teca; de ônibus o filtro não chegará inteiro..."
A Silvia havia pedido à amiga para levar um velho filtro de cerâmica que seria doado à uma instituição beneficente. Frustrado, já que havia
planejado passar a noite com ela, beijou-a e saiu atracado, literalmente, com o
filtro. Comemorariam o aniversário, em
particular, dia seguinte.
Saíram. Ao entrar no elevador é
que se deu conta que o filtro era mais pesado do que parecia. Sua cabeça
também. “Vinho e uísque, mistura demoníaca...”, lembrou-se do velho amigo
Barão.
Dirigia devagar pela orla. Na
carroceria da picape, o vaso tentava se equilibrar. Na cabine, o tema:
relacionamentos, encontros, desencontros, encantos, desencantos. Teca enaltecia
a Silvia: excelente mulher, bonita, alegre, resolvida. Resolvida? Muito
ciumenta, corrigiu ela. Mas uma tremenda guerreira que numa precoce viuvez,
filhos, faculdade completada com certo atraso tinha, no entanto, merecidamente,
a sorte de encontrar um homem bacana como ele.
- Sim, você... um cara
interessante, certo charme...
- ...Peralá. Já me viu de pé?
Reparou na calva? Na barriguinha...? Ah, já sei... misturou vinho com uísque...
O rumo da prosa o incomodava.
Lembrou-se de imediato do Raimundo. Há um ano, quando chegara a Maceió o seu
amigo, alagoano, entre copos de cerveja e garfadas de buchada de bode, dissera-lhe:
- Ryd, você está gostando daqui...?
Pretende ficar?
E diante de uma afirmativa:
“Ótimo. Preste muita atenção. Não estamos no Rio, estamos em Alagoas. Aqui não existem ladrões,
exceto os graúdos. Vão presos? Não sei, só sei que desaparecem. Aqui não se
briga no tapa. É buraco de faca ou tiro. Significa dizer que pode se divertir,
dançar forró, namorar à vontade mas ouça bem: nunca com mulher casada. Aqui, marido corno não perdoa, mata. Ou
manda matar”.
- ‘Tá pensando em quê ? Ela
interrompe os conselhos do Raimundo.
- No filtro... será que esta
inteiro?
- Está gostando dela, não esta...?
- Da Silvia? Me amarro naquela
morena.
- Mas você teria coragem de dar
uma saidinha com outra ? Só uma saída, sem compromisso?
“Isso é armação” Sua cabeça
rodava um pouco mas ainda podia raciocinar. “Essa miserável esta mancomunada
com a Silvia. Aquele papo comprido na
cozinha...”
- Não... Estou feliz com ela e
não pretendo comprometer a relação.
A Teca continuava insistindo
naquela conversa de cerca lourenço. De
repente:
- Dá uma paradinha por aqui. A
minha casa fica logo ali na esquina.
- Eu vou carregar ao filtro até
lá?
- Não desconverse... Olhe, não
estou nada a fim de ir dormir... Vamos tomar uma saideira. Só uma.
- Ô Teca... Não é correto ficar
desfilando por aí com você, mulher casada, certo?
- Certo. Então vamos para um
lugar sossegado... Quem sabe... um motel. Só pra conversar!
Aí o Ryd ficou preocupado. “Essa
mulher é louca... Será que esta chapada...?”
- Escute... é tarde e eu preciso
levantar cedo. Às seis tenho que estar de pé. Tem navio no porto. E outra: No motel... só pra conversar...???
Sentia-se desconfortável. Um
verdadeiro martírio. Nunca havia recebido uma cantada assim, explícita.
Nervoso, não tirava os olhos da calçada e dos retrovisores. Também, pudera: a
picape parada a dez metros da casa da maluca. E mais: o pensamento nos conselhos
do Raimundo enquanto ela desfiava seu rosário de desventuras: casamento
fracassado, o marido não a procurava... Talvez até tivesse amante.
- Pode uma mulher como eu ser
rejeitada? Seja sincero.
- Não! Claro que não. Não, é
claro!
- Com o corpo todo durinho...
Olhe só...
Disse isso enquanto pegava a sua
mão e a colocava no seu busto. Ele pirou “Isso não pode estar acontecendo
comigo... merda, todo mundo já disse isso”.
Ele colocou a ponta do dedo em seu peito esquerdo. “È mesmo... Que coisa,
né?”
-“ Você esta brincando!” Falou ela abrindo a blusa devagar, os seios
saltando, melhor, saltitando à sua frente.
- Ainda não deu sua opinião sobre
meus seios...
- São maravilhosos, mas...
- E gostosos! Teca fechou os
olhos, puxando sua cabeça em direção ao peito.
- “...tô morto”, pensou, enquanto
manobrava o carro e partia à caça de um motel.
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Ela foi ao toalete. Ryd sentado
no canto da cama, de cuecas, uma tremenda dor de cabeça, misto de tesão e
cagaço. Mais cagaço.
- O que foi? Esfriou? Perguntou
ela ao sair do banho.
- Você havia dito que a Silvia merecia ser feliz... Isso estaria incluído?
- A minha amiga que me perdoe mas eu
também mereço um pouco de alegria...
Terminou a frase já enganchando sobre ele.
E ele? Ele, nada. Brochada federal. Veio o conforto: “Isso acontece... não esquenta...”
Ele levantou, foi ao banheiro e tomou uma ducha fria. Não resolveu o
problema de todo. Só meia bomba, 45 graus, suficiente para um
desempenho, como direi, sofrível.
Despidos e recostados à cabeceira
da cama, amargaram uma silenciosa frustração. Alguns minutos de aparente
quietude e, de repente, no escuro do quarto notou quando ela pegou a bolsa e
retirou alguma coisa que brilhava. Ao virar-se pode confirmar: uma
pequena pistola, cromada. “Merda, isso não pode estar acontecendo...” (É a segunda vez que falo isso... um clichê).
Naquele momento, lembrou da
Silvia, da mãe, dos filhos, do cachorro e, principalmente, do Raimundo. “Pô,
Raimundo, você errou... Não é o marido quem mata, é a própria ...”.
Os pensamentos foram
interrompidos pelo desabafo:
- Hoje, acabo com tudo...
A pistola apontada para o umbigo
dele. Sem tirar os olhos de seu dedo indicador, tentava manter-se tranquilo,
falando calmamente.
- Cuidado, Teca... Isso pode
matar alguém...
- Não creio. Pode agredir alguns
órgãos mas não mata...
Dito isto, apertou o gatilho e
ele deu um salto. Na verdade, não foi bem um salto, foi um solavanco; mas não ouviu o estampido. Ao invés do projétil saiu uma pequena chama que ela levou até o cigarro. E continuou com
a lamúria:
- Hoje tomo coragem e acabo com
esse casamento fajuto.
- Graças a ...
- O quê ?
- Graças a Deus você tem
cigarros...]
- Iche.. .cê disse que não fuma...
- Não sei porque mas agora me deu
uma puta vontade de fumar...
O filtro de barro...? Que pena! No quebra molas, na saída do Motel, trincou de
cima a baixo.
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JPC