terça-feira, 30 de julho de 2013


CONTO

ENCONTRO COM A JOAN BAEZ

Eu a conheci na década de setenta do século passado, em Cabo Frio.  Na verdade, nunca soubera de sua existência. Assim que chegamos, eu e uma amiga, na casa do pintor José de Dome, no Portinho,  toquei  a campainha  e logo depois chega ele, descalço –como sempre- com ar compenetrado e fazendo sinal de silêncio com os dedos nos lábios. Na outra mão, pincel e espátula.  Deixamos os calçados no hall e caminhamos silenciosamente, nas nuvens, tal como se caminha ao lado de um berço com um  recém-nascido a dormir.

No ar, em toda a casa, todos os cômodos e transbordando para o quintal e também,  suponho,  subindo  pelos galhos, pelas folhagens das árvores,  uma voz limpa, suave e poderosa, que sei eu...? divina. Não entendia a letra da música, em inglês, mas fiquei meio que atordoado, como se  levitando. Que coisa maravilhosa, exclamei. Sshhiiii, ordenou-me o Zé.

Quando acabou a música, com um largo sorriso, apresentou-me: essa é a Joan Baez.

- Mas que merda, eu não falo inglês...        -  Disse, timidamente.
- Não precisa.... só escute.       -  Retrucou o Zé.

E ela começou a cantar outra canção, e mais outra, e mais outra. Eu, embevecido, melhor,  abestalhado, sem entender patavinas. Apenas encantado, em silêncio,  saboreando a melodia, suas palavras -ininteligíveis para mim-  degustando o momento.  Raro momento: Zé de Dome encantando os nossos olhos com as cores  e ela encantando nossos ouvidos com a sua voz.

Trinta anos, não,  quarenta anos  se passaram.

Estamos eu e minha filha em Paris, passando uns dias em casa de meu filho.  Ela havia saído para umas compras e  da rua  me liga:

-   Pai, vem  rápido, AGORA !, toma  o metrô linha 10,  desce na estação Émile Zola e pega a saída da Rue du Commerce e vem rápido. Te espero lá.  ...Calma, não é acidente...  É uma bela  surpresa pra você.

-   Mas  eu estou bebendo um belo de um vinho com  o seu irmão...

-   Vai se arrepender ... E acrescentou:  Mas tem que vir correndo pois ela pode sair...

Cortei a ligação;  me troquei ligeiro e  disparei  para a próxima estação, ali pertinho. O meu filho que me perdoe; o vinho e o queijo deliciosos que esperem... e desci pela escada como se foge de incêndio, de dois em dois degraus, coração acelerado,  na dúvida se era infarto ou se pela ansiedade de “bela” surpresa. Ela quem...?

Conheço bem a filha que tenho; se era para correr é porque o motivo era válido.


Cheguei esbaforido e devia estar vermelho que nem lagosta cozida... me aproximei, arrumando o colarinho da  camisa e quase  não  acreditei: “Ela” era ninguém mais, nem menos,  que a Joan Baez!  “Ela”, diante de minha filha. Caracas!  exclamei de modo adolescente.  E, tal qual a vez em que a conhecera, parei abestalhado, esperando o coração voltar ao normal     (e imaginando se o seguro saúde ainda estava na validade...)


Ela me reconheceu. Embora tantos anos passados, rugas surgidas –em ambos- cabelos embranquecidos - em ambos,  creio, sim,  que ela me reconheceu.  Sorria, modo zombeteiro,  e a mão nos olhos – de soslaio -  com ar de  “o que você está fazendo aqui...?”

-   Eu vim te ver...    –Pensei.

Permanecemos num longo e solene silêncio, só interrompido quando a minha filha bateu uma foto  nossa,  - eu, feliz que nem criança; ela, prometendo vir a Paris no próximo mês para um show no Grand Rex. "Por que não agora...?"  Silêncio. Quebrando o impasse, sorri para a foto, ao lado do cartaz. 

- Acorda, pai... Vambora.                       - Disse a Bia.

                                                


    Joan Baez e eu numa galeria do metrô de Paris.




      

Um comentário:

  1. AMEI, Juju de la Pensión!!!! Corri com você pelas escadas!!! E paralisei com você, diante da deusa!!! E revivi com saudades os dias em Paris....

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