segunda-feira, 15 de julho de 2013


CONTO



INÚTEIS PALAVRAS

Despertei com as suas pernas embaralhadas nas minhas. Ela dormia profunda e tranquilamente. A nossa relação havia transcorrido de um modo  muito especial, singular em minha vida: absolutamente sem palavras;  intensamente, literalmente. Não pronunciáramos uma palavra sequer, tendo dividido  desejos e gozos de modo silencioso. Apenas esgares e um ou outro grunhido lhe  escapara da garganta ou, sabe Deus, do mais profundo de suas vísceras.

Desperto, beliscava um resto de pizza e   tentava relembrar os detalhes  dessa experiência incrível, afinal  estava de passagem na pequena cidade, apenas para pernoitar e seguir viagem pela manhã:  Lembro que passava um pouco das dez da noite, deitado no quarto do hotel daquela cidadezinha do interior de Minas, sem sono e nem um livro ao alcance, aliás, sempre havia alguma coisa no carro, eu estava é sem saco para ler.  Uma cerveja cairia melhor. Levantei-me e saí a caminhar pela  ruazinha escura e estreita. Uma cidade realmente muito calma, constatava.

À medida que caminhava, notei um burburinho crescendo gradualmente. Era o  povo concentrado na praça principal, passeando para cima e para baixo, praticando o que antigamente era conhecido por trotoir.  Para apreciar melhor o movimento, encostei-me no balcão de um barzinho e bebericava uma cerveja enquanto trocava amenidades com o solitário garçom.

Minutos depois, entra um grupo de jovens, descontraído e falante. Como o bar era demasiado pequeno, ficamos todos muito próximos e quando me dei conta, já interagia com a turma, apesar da diferença de idades.  Lembro-me bem quando ela chegou, louríssima, risonha, beijando alguns deles e apossando-se de um copo. Dezoito ou dezenove anos, calculei. 

- Esta está bem geladinha...   –Servi-lhe de minha cerveja.
Ela agradeceu com a cabeça e chegou-se mais para perto. No meio do falatório e do riso geral, tentei algum assunto com ela, sem sucesso. Só sorrisos.

- É muda.      –Socorreu-me o garçom, discreto.

Puxa, que loucura! Uma garota linda... eu tentaria até um namorico  ...Pensei machista, mas...   Por que não...?   Repensei.

Esforcei-me para me mostrar natural e toquei-lhe o braço. Um sorriso, dessa vez dirigido a mim. Exclusivo. Era toda bonita, olhos claros, o busto realçando adolescentemente sob a blusa. Como proceder? Eu pensava rápido... e instintivamente, com as duas mãos, traçando a silhueta de seu rosto sinalizei  que a achava muito bonita. Entendeu,  percebi pela resposta de seus olhos.  E com mútuos interesse e mímica, iniciamos um incomum diálogo.


 Em dado momento, olhei-a fixamente e indaguei, de modo bem pausado, qual era o seu nome.  Vilma, escreveu num guardanapo. E você?   Devolveu-me papel e caneta.

Assim permanecemos um pouco isolados do grupo, trocando gestos e anotações ternos. Tomando as suas mãos adivinhei um contato peculiar. Um estranho e agradável segurar de mãos. Suave mas entregue. Delicado mas total. Carência? Ficava eu cada vez mais interessado, curioso.

Seus amigos se retiraram em busca de outro bar mas ela agradeceu o convite e preferiu continuar ali. Eles, compreendendo o que se passava, riram  e se foram. Desse modo, ficamos mais um  longo tempo “conversando”, trocando  anotações e olhares.

Saindo dali, peguei o carro no estacionamento do hotel e partimos a procura do único motel da região. Na rodovia, ela apontou-me a lua de modo tão radiante que adivinhei felicidade em sua expressão. E ela, dando-se conta de que eu havia percebido, beijou-me ternamente o rosto.  
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-É uma pena ter que continuar viagem.  É uma pena ter que despertá-la agora e levá-la de volta à sua casa...  Pensei um pouco e resolvi  deixá-la descansar mais algum tempo.  Enquanto isso tomaria um banho.

Ela dormia serenamente. Surda e muda de prazer.

                                                        

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Não lembro se era  sexta ou sábado, só sei que não estava com o mínimo ânimo para sair e encontrar com a turma, falar as mesmas coisas, rir das mesmas  piadas  ou acrescentar detalhes nas velhas  fofocas. Mas fazer o quê numa noite sem graça como aquela?  Um tédio.

Havia perdido o ano no colégio e este ano  agora, também não estava nada bem. Era quase certo que eu repetiria.  Pela segunda vez... que merda!  A minha mãe não descolava de meu pé, principalmente depois que  terminei o namoro  com o Mundinho. Quer saber? O Mundinho era um bobalhão... só queria saber de futebol, de torneio disso, torneio daquilo, taça não sei de quê, campeonato  de várzea, o cacete... Não ia mesmo dar certo.

Enfim,  resolvi sair de casa assim mesmo.  Àquela altura nem desconfiava que seria uma das noites mais interessantes em minha insípida vidinha.

- Vai sair novamente? Já não saiu  anteontem...e  ontem...? 

- Fazer o quê  em casa, mãe?  Nem a televisão tá funcionando... 


Encontrei o pessoal no Bar do Jeremias.  Estava todo mundo já  meio alterado, já tinham até fumado um.  De diferente,  só um coroa -de fora- que à primeira vista parecia mais velho do que  realmente era. Cara maneiro,  logo de saída  me ofereceu um copo de cerveja.  Percebi que ele queria se entrosar mas, tudo bem, parecia gente boa... eu só não estava muito a fim de conversas.

Como,   de vez em quando ele puxava assunto, pisquei o olho pro Jeremias e topei levar o negócio em frente.  Quando, outra vez, perguntou alguma coisa,  eu fingi que não era comigo.  Nisso,  o Jê  sacou e deu uma força na sacanagem  que eu estava aprontando: Disse que eu era muda. Pra quê, meu amigo? Aí é que o coroa ficou animado, excitado, sei lá. Os homens são engraçados...  Viu uma dificuldade e se empolgou. Conquistar uma garota  muda ... era um senhor desafio. Deve ter pensado lá no seu íntimo,  “vai ser diferente, comer uma mudinha...”.

E não é que o cara tinha um “papo” agradável?  Era escritor, editor, uma coisa assim, e arranjou logo um jeito de se comunicar.  Passou a escrever bilhetes,   perguntando
o meu nome, o que eu fazia, uma pá de coisas. E eu tirando o maior sarro, escrevi no papel  que me chamava Vilma, que fazia faculdade, há,  há, há.  Se ele soubesse...

O engraçado é que eu fui me entusiasmando com o seu jeito calmo, sua delicadeza, porque, fiquei pensando...  Ryd Naruj (Nome estranho...) acreditou que eu era muda, e mesmo assim,  está me tratando normalmente, como se eu fosse uma pessoa normal... Gente fina, pensei. E inteligente. O danado não me cantou para irmos pro motel; simplesmente  perguntou se o céu de minha terra era bonito;  se as estrelas podiam ser vistas; se de manhã tinha orvalho sobre as flores; se a lua ficava totalmente redonda, porque onde ele morava, na capital, havia tantos edifícios,  tanta luz elétrica e cartazes luminosos que não se via lua, nem estrelas, nem  orvalho.  Não se ouvia o farfalhar de galhos de árvores,  muito menos os passarinhos; nem se percebia o cheiro de grama. Era somente barulho de buzinas e cheiro de fumaça e asfalto. E mais:  só conhecia essas belezas através de poesias e de filmes.  Claro que ele estava mentindo, mas achei aquilo romântico. Era uma mentira muito romântica.

Concordei em sair de carro,  e passear pela redondeza,  e a lua -eu não havia reparado-  estava um espetáculo. Em casa,  estava tão  entediada que não percebera que era noite de lua cheia. Não deu outra, rolou uns beijos, umas carícias e acabamos dormindo juntos.     Foi uma noite maravilhosa.   Só não foi  p-e-r-f-e-i-t-a  porque  eu tive que me segurar; não pude extravasar, gritar, uivar  de prazer, como eu gosto.  Tive vergonha de lhe falar a verdade, de que não era  muda merda nenhuma; era faladeira até por demais.

De manhã, fingi que dormia enquanto ele se aprontava;  na verdade, estava em dúvida se abria o jogo ou não. Melhor deixar pra lá, resolvi; estava bom daquele jeito. O interessante é que restou dessa noite um lance muito legal:  descobri que existe mais de uma maneira de ser feliz. Dependendo da ocasião, até as palavras podem ser inúteis.
                                                        


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É... a lourinha era mesmo boa de cama; uma pena ser muda. Uma coisa não entendi:
Para quê  aquele celular no bolso da calça ? Seria só para mensagens?  Mas se era surda como ouviria o sinal de entrada de mensagem...? Estranho isso...

E o  Ryd continuou dirigindo e matutando...
                                        
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