domingo, 14 de julho de 2013


À MARGEM DO RIO EUFRATES - Crônicas

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RIMAN, O MEU AMIGO IRAQUIANO

No setor de Segurança do Trabalho da obra, havia  funcionários brasileiros e árabes, sendo que iraquianos natos, só dois: Hassan e Riman que trabalhavam no Corpo de Bombeiros. Hassan, o mais jovem, viria a ser convocado para a guerra  com o Irã  e nunca mais o vimos.

Riman, por ser casado, foi poupado da convocação e ficou conosco até o final quando retornamos definitivamente ao Brasil, em 1984. Era um homem de estatura mediana mas de forte compleição física; um pequeno touro. Na fidelidade, um cão. Aos poucos fomos estreitando as relações e, a despeito de diferenças funcionais, culturais e  idiomáticas, tivemos uma convivência agradável.

Certo dia, convidou-me para almoçar em sua casa em Al Bagdadi (Pequena Bagdá) que ficava a 12 quilômetros do Acampamento Central. Exigia a presença de mulher e filhos. A sua família era constituída dos velhos pai e  mãe, esposa e quatro filhos. Como esperávamos, era uma casa modesta com quintal e um forno onde assavam os pães -apelidados por nós de “orelhas de elefante”. Em sinal de amizade e confiança a sua esposa, Madyha,  usava apenas abahia  dispensando o véu que deveria cobrir o rosto.

Foi um belo encontro e até uísque o Riman providenciara. O almoço, comumente servido sobre os tapetes, no chão da sala, fora arrumado dessa vez numa mesa e  cadeiras providenciadas não sei como. E talheres, o que era raro. A comida obviamente era a típica árabe: peixe (do rio Eufrates), frango, arroz, k’baba e legumes variados. De sobremesa, coalhada de leite de cabra e doces. As crianças se misturaram brincando e se comunicando perfeitamente através de mímicas e risos. O fato de uma de minhas filhas, de 8 anos, chamar-se Samira provocava grande  empatia; Akran, um de seus meninos que o diga.  Foi um belo dia/tarde.

Em reciprocidade, semanas depois  convidamos-lhes à nossa casa. Era incomum  que famílias locais tivessem acesso à área residencial do Acampamento. Fui buscá-los de carro em Al Bagdadi. Oferecemos um churrasco  -ficaram fascinados- no entanto,  a sua esposa -protótipo da mulher árabe- morena, olhos negros, recusou-se a sentar  à mesa. (Posteriormente, ficamos sabendo que a mulher árabe espera o marido se alimentar e só depois deve sentar-se à mesa).  Por  insistência nossa, alegando estar em território brasileiro, ela aceitou sentar-se à mesa; mas não se serviu de um grão sequer.  Sem chances. Só depois de o Riman e eu levantarmos é que ela almoçou.  Anoitecia quando fui levá-los de volta. Todos radiantes.

Três meses antes de findar o meu contrato, em princípios de 1984, a família retornou ao Brasil para que as crianças não fossem prejudicadas com relação ao período escolar. Fiquei solteiro durante três meses. Nesse período, o meu amigo insistia em que eu fizesse as refeições em sua casa,  como também  lhe desse  as roupas sujas para que a esposa as lavasse  ( recusei sutilmente as  ofertas pois, além de tudo, dispúnhamos de restaurante e lavanderia no Acampamento). Enfim,  um bom e saudoso amigo.


Em Maio, após as  despedidas, em sua casa, dava pena ver pelo retrovisor do carro aquele homem rude  e valente  ao lado do pai, acenando-me, às lágrimas.

Meu Deus, o  que terá havido com eles, depois daquela guerra imbecil e covarde ?!



                                                    
Abaia – Roupa preta, comprida.
Kababa:  Kafta (churrasco de carne moída, de carneiro)
                                           
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