À MARGEM DO RIO EUFRATES - Crônicas
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RIMAN, O MEU AMIGO IRAQUIANO
No setor de Segurança do Trabalho
da obra, havia funcionários brasileiros
e árabes, sendo que iraquianos natos, só dois: Hassan e Riman que trabalhavam
no Corpo de Bombeiros. Hassan, o mais jovem, viria a ser convocado para a
guerra com o Irã e nunca mais o vimos.
Riman, por ser casado, foi
poupado da convocação e ficou conosco até o final quando retornamos
definitivamente ao Brasil, em 1984. Era um homem de estatura mediana mas de
forte compleição física; um pequeno
touro. Na fidelidade, um cão. Aos poucos fomos estreitando as relações e, a
despeito de diferenças funcionais, culturais e
idiomáticas, tivemos uma convivência agradável.
Certo dia, convidou-me para
almoçar em sua casa em Al
Bagdadi (Pequena Bagdá) que ficava a 12 quilômetros do
Acampamento Central. Exigia a presença de mulher e filhos. A sua família era
constituída dos velhos pai e mãe, esposa
e quatro filhos. Como esperávamos, era uma casa modesta com quintal e um forno
onde assavam os pães -apelidados por nós de “orelhas de elefante”. Em sinal de
amizade e confiança a sua esposa, Madyha, usava apenas abahia dispensando o véu que
deveria cobrir o rosto.
Foi um belo encontro e até uísque
o Riman providenciara. O almoço, comumente servido sobre os tapetes, no chão da
sala, fora arrumado dessa vez numa mesa e cadeiras providenciadas não sei como. E
talheres, o que era raro. A comida obviamente era a típica árabe: peixe (do rio
Eufrates), frango, arroz, k’baba e
legumes variados. De sobremesa, coalhada de leite de cabra e doces. As crianças
se misturaram brincando e se comunicando perfeitamente através de mímicas e
risos. O fato de uma de minhas filhas, de 8 anos, chamar-se Samira provocava grande
empatia; Akran, um de seus meninos que o
diga. Foi um belo dia/tarde.
Em reciprocidade, semanas
depois convidamos-lhes à nossa casa. Era incomum
que famílias locais tivessem acesso à área residencial do Acampamento.
Fui buscá-los de carro em Al Bagdadi.
Oferecemos um churrasco -ficaram fascinados- no entanto, a sua esposa -protótipo da mulher árabe- morena, olhos negros, recusou-se a sentar
à mesa. (Posteriormente, ficamos sabendo que a mulher árabe espera o
marido se alimentar e só depois deve sentar-se à mesa). Por insistência
nossa, alegando estar em território brasileiro, ela aceitou sentar-se à mesa; mas
não se serviu de um grão sequer. Sem
chances. Só depois de o Riman e eu levantarmos é que ela almoçou. Anoitecia quando fui levá-los de volta. Todos
radiantes.
Três meses antes de findar o meu
contrato, em princípios de 1984,
a família retornou ao Brasil para que as crianças não
fossem prejudicadas com relação ao período escolar. Fiquei solteiro durante três
meses. Nesse período, o meu amigo insistia em que eu fizesse as refeições em
sua casa, como também lhe desse as roupas sujas para que a esposa as lavasse ( recusei sutilmente as ofertas pois, além de tudo, dispúnhamos de
restaurante e lavanderia no Acampamento). Enfim, um bom e saudoso amigo.
Em Maio, após as despedidas, em sua casa, dava pena ver pelo
retrovisor do carro aquele homem rude e
valente ao lado do pai, acenando-me, às lágrimas.
Meu Deus, o que terá
havido com eles, depois daquela guerra imbecil e covarde ?!
Abaia – Roupa
preta, comprida.
Kababa: Kafta (churrasco de carne moída, de carneiro)
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