domingo, 8 de setembro de 2013

NO CINEMA COM LAURO FARIA

“SE VOCÊ MORRER, EU TE MATO”
Esta frase que ilustra a coluna, contundente, absurda e contraditória, serviu de epígrafe para a mostra cinematográfica, de 16 de abril a 5 de maio deste ano,  sobre   SAMUEL FULLER (1912 – 1997), no cinema I do Centro Cultural  Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Esta retrospectiva veio em boa hora, já que o artista, visto como o mestre do filme B (de baixo orçamento) e toda a sua obra – independente, polêmica e iconoclasta – bate de frente com as produções milionárias de hoje em dia. Ficamos contentes com a grande afluência de público, já que o diretor, considerado primitivo, nunca foi uma unanimidade; também escrevia e produzia; mas suas fitas sempre foram instigantes.
Fuller, também conhecido como “O Poeta dos Tablóides”, começou a vida dentro de um jornal como garoto de recados, arquivista, assistente do editor-redator-chefe e, depois, repórter. Sempre quis ser editor de jornal; mesmo o menor do mundo, numa pequena cidade, mas virou cineasta. Quando a América entrou na Segunda Guerra Mundial, alistou-se como soldado raso, simplesmente porque “iria fazer as maiores reportagens da sua vida”.
Munido com uma câmera de 16 mm, filmou cenas de batalha e muito do cotidiano das trincheiras, além de coisas horrendas nos campos de concentração.  Estas lembranças de combatente estão registradas na sua obra de referência AGONIA E GLÓRIA (“The Big Red One”  -  1980), presente no evento.
A sentença controversa que dá título ao texto foi proferida na película CAPACETE DE AÇO (1951).  Um drama bélico no conflito da Coréia (1950/53), que passou no antigo Cine Recreio de Cabo Frio, em 1957; o assistimos, aos 14 anos; e o impacto jamais foi esquecido. A partir desta época, começamos a prestar mais atenção às fichas técnicas das produções, além do elenco; e os nomes dos diretores se tornaram mais importantes.
No filme, o personagem principal é um veterano sargento (Zack – interpretado por Gene Evans, um ator feio e atarracado, genial, enquanto eterno coadjuvante em dezenas de fitas), calejado, grosso, desagradável, que faz uma improvável amizade com um menino sul-coreano. Quando um prisioneiro de guerra – preservado com vida para ser levado aos superiores – ironiza a oração que o menino, baleado, tinha feito pedindo ao Buda que o sargento gostasse dele, Zack, aporrinhado e enlouquecido, descarrega uma saraivada de balas nele e, em seguida, desabafa: “Se você morrer, eu te mato”.
Nossa admiração por Fuller se deve também ao fato dele ter vivido cerca de três meses – na década de 50 – entre os índios Carajás.  Pretendia colher subsídios para escrever um roteiro sobre o livro TIGRERO, que versava sobre um nativo que caçava as onças matadoras das reses dos fazendeiros. Tal filme nunca saiu do papel por suas mãos; foi realizado, porém, um documentário, com esse título, em 1994, por Mika Kaurismaki, em que a presença de um envelhecido Fuller conta a outro realizador (Jim Jarmusch), as peripécias daquele tempo e as diferenças – 40 anos depois – nas aldeias devastadas dos índios. Em seu livro de memórias, ele confessou ter percebido que os selvagens éramos nós... Tenho um amigo que freqüentou Hollywood, alguns anos atrás ( Antônio Maltez ), conheceu Fuller e confirma: Ele era uma “ figuraça!”
Sam Fuller dirigiu 31 produções, sendo 24 para a tela grande, com 51 scritps computados.  Entre os faroestes, causou estranheza, em 1949, EU MATEI JESSE JAMES.  Enquanto outras versões mostram a execução (pelas costas) do famigerado ladrão, no final, aqui, neste, o bandido morre com menos de 20 minutos de filme; e acompanha a indiferença que segue o assassino até sua própria morte.
Entre os filmes noir produzidos, destacamos: ANJO DO MAL (1953), em que o excelente Richard Widmark faz um batedor de carteiras às voltas com espiões comunistas; e: A LEI DOS MARGINAIS (1961), onde um surpreendente Cliff Robertson interpreta um delinqüente obcecado por vingar a morte do pai, assistida por ele, num beco escuro e fétido. Esta cena, no jogo de sombras na parede, é uma das melhores coisas já filmadas na história da sétima arte.
Foto: Mini-Poster de: AGONIA E GLÓRIA.


Até breve.     THE END.                       ( Lauro Affonso faria  /  29/08/2013 ).